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É uma coisa estranha… por Miguel d’Ors

É uma coisa estranha… por Miguel d’Ors

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É UMA COISA ESTRANHA…

É uma coisa estranha ser poeta,
é uma coisa estranha sentir la própria vida
cheia de multidões,
escutar-se no próprio canto todos os cantos,
quotidianamente
morrer um pouco em tudo lo que morre.

É uma coisa estranha ser poeta;
encontrar o menino nos olhos desse velho,
e ouvir os clamores do bosque na semente,
adivinhar que há uma primavera latente
após cada nevão,
partir o pão e ver os segadores.

É uma coisa estranha: ser poeta
é converter-se em terra para entender a chuva,
é converter-se em folha para saber de outonos,
é converter-se em morto para aprender la ausência.

20-I-72

in O FIASCO PERFEITO, tradução e apresentação de Luís Pedroso, edição Língua Morta, Co-edição com a Livraria Poesia Incompleta, página 25

*

TALVEZ NISTO CONSISTA A POESIA

Umas poucas palavras que possam mais que o tempo.
Talvez nisto consista a Poesia.
Umas quantas palavras que arranquem da morte,
como Jesus fez com Lázaro, as horas já vividas.
Que tragam, por exemplo, a este agora os avós
com o Leão e as vacas – a Roxa, a Morena e a Linda;
que eu volte a subir, com a espingarda ao ombro,
pelo Monte da Arcela acima
e que aqueles verões que duravam dois meses
durem toda uma vida.

                                                         15-XI-2020

Versão de Luís Filipe Parrado in Viaje de invierno; Renacimiento, Sevilha, 2021, p. 15

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