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Conheço o STOP desde 2002

Conheço o STOP desde 2002

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Conheço o STOP desde 2002, quando comecei a ensaiar em salas de amigos. Mas só em 2007 aluguei a minha primeira sala e aí construí o meu estúdio, já farto de ser expulso de salas de prédios de habitação e de ter de controlar as horas a que podia trabalhar. Dizia a um amigo que sempre me ajudou nas obras: A grande vantagem do STOP é que existe.

Mas rapidamente aquele sítio se transformou para mim numa espécie de segunda casa. Ali partilhei som e amizade durante anos e percebi o que era fazer parte de um fenómeno sem par no contexto cultural do país. E foi por todo este tempo que ali passei que vim a aceitar, mais tarde, um cargo associativo. Em 2018, fui contactado pessoalmente pela CMP.

Manifestaram-me a sua dificuldade em estabelecer contacto com o condomínio do STOP, num momento em que o risco de fecho estava iminente. Nunca tendo aderido a contextos associativos, vi-me com uma responsabilidade no colo, e optei por informar o máximo de gente possível do contacto que recebi. A partir daí todo o processo interno começou.

Mas não é por aqui que quero começar, e por isso vou dar um salto no tempo. Demiti-me da associação Alma Stop em 2021, e fi-lo por exaustão. Desmontei o meu estúdio por raiva e deixei de ter sala no STOP. Moí a minha emoção ao longo deste tempo e tentei engolir as questões pessoais – questões internas do processo associativo que me retiraram toda a energia. Aquando do episódio de fecho da passada terça-feira, coisa que tantas vezes avisei que aconteceria, senti-me impelido a ter uma posição pública. Mas optei inicialmente por me conter. Demasiada emoção podia afetar o objectivo que é muito maior do que aquilo que me afectou. Escrevi páginas e páginas e acabei a censurá-las. Não é sobre mim.

Várias vezes perguntei a mim mesmo: o que é verdadeiramente importante? E a resposta ao fim de noites sem dormir foi: dizer o que puder ser útil. O que me veio à cabeça em primeiro lugar foi: informação. Nesta era em que a verdade parece não ter relevância ainda existem factos. Facto: A CMP sempre dialogou connosco e sempre se mostrou interessada em resolver o problema. Eu sei porque eu estava lá. A associação estava na reunião da câmara com os bombeiros acerca da aprovação do projecto de segurança contra incêndio. E mesmo sabendo que o projecto teria de cumprir todos os trâmites legais, o representante da CMP não se poupou ao elogio do STOP perante o comandante dos bombeiros. Eu estive lá quando, juntamente com o administrador do condomínio do STOP, Ferreira da Silva, o empenhado engenheiro Pedro Dourado, com as plantas do edifício sobre a mesa da sala de condomínio, tentou perceber como havíamos de resolver o problema das saídas de emergência num local sem condições para tal. Deu trabalho mas arranjou-se solução. O projecto foi aprovado. Facto: Em 2021 houve um aviso de fecho do STOP com um prazo de resolução de 15 dias. Foi ignorado. Quer dizer, não por todos. Ao comentar com a arquitecta Sandra Rego, também com sala no STOP, esta apressou-se a ir à CMP para saber o que se passava. Tratava-se da necessidade de aprovação do projecto de arquitectura. O facto é que não existia projecto, aliás, era por aí que se deveria ter começado. A mesma arquitecta fê-lo em 15 dias, em directas sucessivas, de forma a que correspondesse aos mínimos para, pelo menos, prorrogar o prazo e assim se ganhar tempo, o que acabou por acontecer. Pouca gente soube disto, creio. Finalizou depois o projecto, meses a fio sem ganhar nada, a não ser o perdão das rendas enquanto o executava e um esgotamento nervoso. O projecto foi aprovado. É a meu ver importante, não só por respeito e gratidão em relação ao esforço feito, a atenção sobre algo que foi efectivamente conquistado e que é um ponto a partir do qual o trabalho pode ser continuado. Em Outubro de 2021, aquando da minha demissão e da do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Gil Costa, ficou um projecto de segurança contra incêndio aprovado e um projecto de arquitectura aprovado. Facto: Era e é preciso dinheiro. O projecto de segurança contra incêndio foi avaliado num estudo de mercado em cerca de um milhão de euros, não contando com a parte da construção civil. Após alguns pedidos de orçamento sem sucesso, conseguimos finalmente uma resposta positiva da empresa Vianas que faria o trabalho por quase metade do preço. No projecto de arquitectura não estaríamos de certeza a falar dos mesmos valores.

Qualquer um consegue prever que um projecto de reabilitação de um edifício degradado como é o STOP, ronde os vários milhões. Contar com os proprietários era uma batalha perdida e sempre nos foi dito que a câmara não poderia financiar um sitio privado com mais de cem proprietários. E mesmo que pudesse, a ideia da associação era manter ao máximo a autonomia do STOP. E no caso de ser possível o dinheiro entrar pela associação isso seria, no nosso entender, o melhor dos cenários, mantendo o STOP do STOP. Lembro-me de numa reunião da associação com o presidente Rui Moreira, este nos falar da hipótese do silo-auto como alternativa à dificuldade que seria arranjar o dinheiro para reabilitar o STOP, e a associação explicar que essa solução poderia ser viável se não conseguíssemos o plano A – manter o STOP no STOP. E para essa hipótese, pareceu-nos inevitável recorrer a fundos comunitários, que ao fim e ao cabo é para projectos comunitários que eles existem. Por intermédio de um contacto familiar do músico e Segundo Secretário da associação António Serginho, decidimos reunir com o Carlos Martins que, já conhecendo o STOP, achou que o projecto tinha toda a viabilidade para vir a ser financiado por fundos europeus. Oferecendo-se para, a custo zero, nos ajudar a desenhar a candidatura.

Lembro-me de no início, quando tomei posse, dada a minha grande inexperiência no campo associativo, pensar que deveria ter em conta o que já tinha sido feito, e falar com gente que já tivesse estado envolvida em dinâmicas semelhantes. Falei então com o Anselmo Canha, músico do STOP e pessoa previamente envolvida em projectos que a meu ver ajudaram a afirmar a presença do STOP no contexto cultural da cidade. O mesmo Anselmo Canha que em conjunto com vários músicos, esteve envolvido previamente na tentativa de criação de uma associação, embora sem sucesso. Já se preconizava a dificuldade de os músicos do STOP se apresentarem como um corpo. Pedi ao Anselmo a sua dissertação que, sendo na área do design, usava o STOP como tema para explorar algo que me inspirou: A importância da simbologia. Os espaços têm história, têm memória. Manter o STOP no STOP parecia-me assim, não só pela morfologia arquitectónica como social e humana, algo que facilitaria a continuidade dessa vivência. Essa era a ideia, mudar só o que pode melhorar.

Uma das grandes dificuldades da associação foi a crescente falta de quorum. No início animou-me haver uma relativamente boa mobilização, mas muitos cansaram-se das surrealistas assembleias em que umas poucas pessoas levantavam questões tão dispensáveis quanto ofensivas, como por exemplo a razão pela qual teria sido eu o contactado pela CMP. Lembro-me de ouvir um músico responder já sem paciência: “Porque é o poster-boy, c…!”, o que me pareceu um comentário lúcido. Apesar de não ser muito o meu feitio, e ter a consciência de que se o Pedro Abrunhosa estivesse no STOP teria sido ele o contactado, aceitei o aproveitamento desse poder mediático por uma causa que se me afigurava de interesse maior. Essa desconfiança continuou durante todo o processo, e conduziu-me à necessidade inclusivamente de abrir um processo legal por difamação.

Curiosamente ninguém me confrontou pessoalmente ou explicou a alguém de onde vinham as suspeitas que alegavam inclusivamente desvio de dinheiro. E foi neste ambiente absurdo que percebi que mesmo os fenómenos mais épicos podem falhar por coisas triviais e mundanas. Vivemos num contexto precário, de pessoas que dão o coiro para sobreviver, e é compreensível que a energia para uma colaboração activa na esfera política seja pedir demais. Mas temos de ter consciência que quando não há representatividade numa assembleia entregamos o futuro de quatrocentas pessoas a umas 10 ou 15.

De 2021 a esta parte não sei o que se fez com o projecto desenvolvido. Apenas soube que um auto-apelidado grupo de trabalho formado pelas pessoas que permaneceram na associação, tinha ido a uma reunião do executivo da CMP falar de como o processo teria sido mal conduzido até então. O que surpreendeu a CMP, que esperava que apesar da minha saída se desse continuidade ao processo. Fui mais tarde contactado pelo agora presidente da ALMA STOP, Bruno Costa, com quem senti o respeito e o bom senso necessários para uma conversa civilizada, e com quem falei sobre todo o processo anterior.

Pode sempre haver ideias melhores, claro. Mas é importante quando se pega num processo a decorrer, pelo menos tomar consciência do trabalho que foi feito. Feito por pessoas que deram tudo para fazer o melhor que sabiam. Que não receberam nada a não ser o ânimo de fazer parte de algo bonito, de que se pudessem orgulhar. É inspirador ver tanta gente a reunir-se em prol desta causa, mas não chega. É preciso haver um horizonte claro. Existe quorum agora, milhares de pessoas se mobilizaram, e isso é ótimo e inspirador. Capitalize-se essa energia, mas que seja para encontrar uma solução, e não para queimar bruxas, porque se o inferno existir, de certeza teremos todos lá uma sala de ensaios.

Manel Cruz
publicado aqui 
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