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Tribunal da Relação do Porto contra alojamento local nos condomínios

Tribunal da Relação do Porto contra alojamento local nos condomínios

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O TRIBUNAL da Relação do Porto acaba de trocar as voltas a quem pensava que o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça teria grande influência sobre as sentenças de tribunais inferiores relativas ao arrendamento de apartamentos a turistas. Contrariando a decisão do tribunal superior, a Relação do Porto acaba de proibir um proprietário de arrendar o seu apartamento a turistas.Os juízes desembargadores não ignoram o acórdão do Supremo, até o citam, mas seguem uma fundamentação distinta, valorizando o conceito de habitação, “como um espaço de vida doméstica com a inerente necessidade de tranquilidade e sossego, não cabendo nela o alojamento local”.

Recorde-se que o Supremo, num processo que também opunha a associação de condóminos a um proprietário que pretendia arrendar a sua fracção a turistas, admitiu a possibilidade desse tipo arrendamento. Entendeu o tribunal superior que, apesar de considerar que a cedência onerosa de fracção mobilada a turistas era um acto de comércio, isso não significa que na fracção se exerça o comércio, pois a cedência destina-se a habitação. Ou seja, apesar da proibição de arrendamento turístico aprovada em assembleia de condóminos, e do título constitutivo da propriedade horizontal estabelecer como destino a habitação, o Supremo entendeu que era possível o arrendamento local, ou de curta duração, como é vulgarmente designado.

Agora, a Relação do Porto considera que, “salvo o devido respeito [pelo acórdão do Supremo], a questão está longe de esgotada dada a relevância e complexidade dos factores envolventes”.

O acórdão, que ainda não transitou em julgado, explora a vertente económica da actividade de arrendamento local nomeadamente pelo enquadramento fiscal distinto: categoria B no local e F no permanente. O referido regime “acentua a diferença entre o alojamento local e o arrendamento residencial”, acrescentando que enquanto o arrendamento permanente “é considerado uma locação passiva”, o outro “é considerado uma locação activa, que inclui prestações de serviços complementares à mera locação do espaço”.

A relação do Porto valoriza o artigo 1422, nº2 do Código Civil, onde se salvaguarda que, se o título constitutivo da propriedade horizontal (prédio com fracções autónomas, detidas por vários proprietários) estabelecer como utilização a habitação, a assembleia de condóminos pode não autorizar outro destino ou afectação.

Mas àquelas duas dimensões jurídicas, os desembargadores do Porto acrescentam o conceito do “direito à habitação”. E para além de citarem vários tratados internacionais, socorrem-se do artigo 65, nº1, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. E ainda que “a habitação, o domicílio, a casa é o suporte físico, material onde se concretizam os direitos fundamentais inerentes à personalidade física ou moral, nos termos do artigo 70 do Código Cível”.

Para concluírem que “quando uma fracção se destina a habitação, quer dizer que se trata de uma residência, de um domicílio, lar, ou seja, de um espaço de vida doméstica com a inerente necessidade de tranquilidade e sossego, não cabendo nela o alojamento local”.

E assim, a relação revogou a decisão de primeira instância, condenando o proprietário a “abster-se de utilizar a sua fracção para alojamento local”, bem como ao pagamento de uma sanção pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento da decisão.

Sentença do Porto pode não chegar ao Supremo

Segundo o advogado do proprietário, Bento dos Santos, a decisão da Relação do Porto não é possível recurso para o Supremo, facto que diz lamentar. Em declarações ao PÚBLICO, o jurista explica que o valor da acção em causa, abaixo dos 30 mil euros, limita esse recurso.

Bento dos Santos assume-se surpreso com o sentido da decisão, por contrariar o entendimento do Supremo e o de outra decisão da mesma Relação do Porto. Relativa ao mesmo processo, mas envolvendo uma providência cautelar, outra secção da Relação do Porto, rejeitou o pedido do condomínio, para suspensão imediata da actividade de alojamento local. O novo acórdão da Relação é relativo ao julgamento da acção principal.

Já Isabel Cunha, a representante legal do condomínio, considera que “a decisão vem acautelar os interesses dos proprietários de imóveis que os adquiriram na expectativa fundada que estavam inseridos num núcleo residencial, no seu verdadeiro conceito, ou seja, sem as perturbações inerentes à actividade de alojamento local”.

A jurista portuense defende que a Relação “vem restabelecer a legalidade de uma situação que não se encontra devidamente esclarecida pelo legislador: a fracção destinada a habitação, assim constituída na propriedade horizontal, só pode ser encarada, como refere o Acórdão e bem, como núcleo de vida doméstica”.

Sustenta ainda que “o conceito de alojamento local é diametralmente diferente do conceito de habitação. De resto, tal realidade é muito bem intuída pela questão fiscal, que remete os rendimentos provenientes do alojamento local para a categoria B, ao invés de serem incluídos na categoria F”.

Por Rosa Soares publicado in PÚBLICO

NOTA DO EDITOR:

Fui sócio-gerente de uma empresa de administração de condomínios durante cerca de 10 anos. Sei muito bem o que passam os condóminos residentes com alguns arrendatários. O arrendamento implica uma relação precária com a fração autónoma e uma grande insensibilidade para com as partes comuns. O arrendatário não sente as dores dos proprietários. E se houver despejo, nos dias e meses que o antecedem a relação com os proprietários residentes deteriora-se ainda mais.

Se replicarmos a situação para o alojamento local, ou seja, um arrendamento temporário (poucos dias) a turistas, a que há de acrescer os serviços de limpeza e receção, então teremos a precariedade e insensibilidade levada aos extremos. O transtorno para a vida dos condóminos será evidente em consequência do confronto diário com pessoas estranhas e entrada e saída de funcionários de limpeza e manutenção dos apartamentos. Isto sem falar da perturbação do sossego em momentos de descanso, em especial à noite.

Se existe grande dificuldade em impor ordem no edifício em caso de condóminos barulhentos (música e falar nas alturas, arrastar de móveis, caminhar de salto alto e agressões entre cônjuges e filhos), perante turistas, e porque estão de passagem, será quase impossível consegui-la.

Fazendo um juízo de prognose é fácil prever a constante instabilidade emocional para os condóminos residentes e um aumento de conflitualidade entre aqueles e o proprietário do estabelecimento de alojamento local.

E quanto à justiça?

Parece inquestionável que a alteração do destino da fração autónoma para alojamento local (diferente do arrendamento normal) constitui uma violação do título constitutivo da propriedade horizontal, o qual representa para os condóminos como que um documento sagrado (a bíblia do condomínio).

Permitir alterar o destino da fração autónoma para alojamento local através de decisão judicial, contrariando a vontade dos condóminos, parece, salvo melhor opinião, violar, entre outros, o direito à habitação previsto no artigo 65.º da Constituição República Portuguesa.

Atendendo aos evidentes benefícios económicos do turismo para a economia nacional, os condóminos residentes não vão ter vida fácil nos próximos anos (isto não há de durar sempre!), já que as associações do setor irão pressionar o poder político com vista à conformação/clarificação da lei aos seus interesses (egoísticos).

Entretanto, a jurisprudência portuguesa irá fazendo o seu caminho (cada cabeça sua sentença, como se costuma dizer) até que o Supremo Tribunal de Justiça profira acórdão de uniformização de jurisprudência.

Vamos ver quem resolve primeiro o problema!

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