APÓS um ano e meio de estada no Brasil, minha esposa e eu decidimos retornar para o Japão. Em 2009, os motivos que me levaram a tentar a vida novamente em minha pátria foram basicamente dois: a crise financeira de 2008 (que atingira duramente o Japão) e a imagem positiva do Brasil na época (a de um país que, então economicamente forte, não sentira tanto os efeitos da crise). A respeito do frustrante retorno ao meu país, dedicarei outra crônica, mas o fato é que, no início de 2011, tivemos de mudar novamente de planos e reconstruir a vida em Tóquio.
Já nas primeiras semanas de volta ao Japão, felizmente, consegui uma entrevista de emprego. De modo que, na tarde de onze de março de 2011, caminhava eu, rumo ao local da entrevista, com a esperança na alma… Até que, de repente, senti a terra tremer. No início, não compreendi direito a gravidade da situação, mas tudo mudou quando vi as pessoas correndo enquanto apontavam, assustadas, na direção de um dos maiores prédios do lugar (estava em Higashi-ginza, centro de Tóquio), que começava literalmente a ter as vidraças rachadas.
E o que se seguiu ao tremor foram cenas verdadeiramente apocalípticas: os celulares pararam (levando, por sua vez, à formação de filas quilométricas para as escassas cabines telefônicas); trens e metrôs também ficaram paralisados; e as pessoas começaram a vagar, perdidas, pelas ruas, como se fossem zumbis. De minha parte, na esperança de que o perigo passasse e os serviços retornassem logo à normalidade, entrei em um bar espanhol, onde se reuniam alguns estrangeiros assistindo à tevê. E foi lá que vi, pela primeira vez, a assustadora cena: a de pessoas e casas sendo arrastadas pela força das águas. Era o início do Tsunami que culminaria, entre outras melancólicas consequências, na “tragédia de Fukushima”.
Os detalhes do tsunami de 2011 no Japão são de conhecimento mundial. Na época, aliás, a Terra do Sol Nascente, que costumava resgatar financeiramente a outros países, passou a receber ajuda de várias partes do mundo. E não era para menos. As regiões atingidas foram realmente devastadas e, hoje, mesmo com a reconstrução de algumas localidades, as perdas humanas ainda não foram (e jamais serão) superadas pelo povo japonês. Pois, sim, tudo foi (e continua) muito triste, com histórias de cortar o coração: como a da mulher que, enlouquecida pela perda de toda a família no tsunami, passara a vagar nua pelas ruas de Ishinomaki, uma das cidades mais atingidas. Vidas, enfim, despedaçadas: física e espiritualmente.
Hoje, decorridos dez anos e enfrentando-se uma pandemia, é natural que o mundo já tenha se esquecido da tragédia japonesa. Mas, na alma de quem viveu aquele onze de março de 2011, as cicatrizes ainda são demasiadamente profundas para serem olvidadas. Principalmente quando a terra treme.
EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em mais de quatrocentos concursos literários no Brasil, na Espanha e em Portugal, é autor de nove livros, sendo o mais recente: “Crônicas de um latino sol nascente” (Telucazu Edições, 2020):
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