PARA os japoneses, os primeiros dias de maio são tradicionalmente festivos. Em virtude da combinação de alguns feriados ― mais especificamente o “Dia da Constituição”, o “Dia da Criança”, e, entre essas duas datas, o ecológico “Dia do Verde”) ―, é proporcionada ao incansável povo da Terra do Sol Nascente praticamente uma semana para relaxar: o que é raro em um país em que “descansar” é quase sinônimo de preguiça.

Tal feriadão, conhecido como Golden Week (ou, em bom Português, a “semana de ouro”), é também o momento em que os japoneses aproveitam para viajar ao exterior: principalmente à Europa e ao Havaí (em virtude da forte presença nipônica nesse estado americano). Ou, melhor dizendo, aproveitavam para viajar. Porque em 2020, claro, a pandemia não lhes deixou outra alternativa senão a de ficar em casa ― sem espaço, portanto, para irresponsáveis andanças.

No dia 24 de abril, aliás, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, veio à tevê para solicitar expressamente que os japoneses evitem saídas desnecessárias e aglomerações no Golden Week. “Ficar em casa”, pois, é a recomendação oficial (não uma ordem ou decreto, considerando-se que o Japão não tem medidas impositivas de isolamento social) para o período que vai de 25 de abril até 6 de maio, quando terminam os feriados nacionais.

O que é, vale frisar, o mais correto a ser feito por todos nós nestes tempos medonhos: uma vez que aglomerações (sim, seguidores de seitas e políticos malucos) são um convite VIP para o vírus. Fiquemos, portanto, em casa, e ponto final. Quem diz o contrário quer ver o circo (já em chamas) ser reduzido a cinzas.

Para proteger a minha família, claro, tento seguir à risca as recomendações das autoridades de saúde: saindo basicamente apenas para ir às compras. Mas, apesar de desejar cumprir o meu papel como cidadão, confesso que, humanamente, tais restrições também me causam uma tristeza adicional: a de sequer poder levar meu filho para esse que seria o seu primeiro hanami ― o costume dos japoneses de contemplarem as flores das cerejeiras, ao mesmo tempo em que comem e bebem nos parques.

Isso porque o hanami é realmente um espetáculo poético para toda a família. Um daqueles momentos mágicos em que tanto adultos quanto crianças ficam com o mesmo brilho no olhar. Por exemplo, recordo perfeitamente até hoje a primeira vez em que, na cidade de Osaka, sentei-me com amigos em um parque para apreciar o lindo espetáculo da “chuva de flores” que as cerejeiras proporcionavam. E como achei delicada, na ocasião, a visão das pétalas cor-de-rosa caindo para logo em seguida serem levadas pela brisa! Sutil e fascinante, enfim, como um belo haicai de Bashô.

Em 2020, porém, infelizmente não haverá hanami. Não haverá famílias nem amigos brindando, sorrindo e conversando pelos parques. E não haverá a magia que é o momento em que o ser humano compreende e agradece o presente que lhe é ofertado pela Natureza. Pois, neste ano, tudo o que nos restará é ver ao longe as cerejeiras: enquanto estas choram flores por nossa humana solidão.

EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, é autor dos livros “Sonhador Sim Senhor!” (2000), “Clandestinos” (2011), “Em Curto Espaço” (2012), “No mínimo, o Infinito” (2013) e “Filho da Floresta” (2015), “Trovas escritas no tronco de um bambu” (2018), “Gotas frias de suor” (2018) e “Centelhas” (romance, 2019).  Foi o vencedor do 13º Concurso de Microcontos do Festival de Cine TerrorMolins (Espanha, 2019). É também colunista do JORNAL EM DIA, no Brasil: http://www.jornalemdia.com.br/categorias.php?p=16172

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