EM virtude da visão estereotipada que nós, ocidentais, costumamos ter em relação ao Japão, sei que há sempre uma expectativa de que, em minhas crônicas, eu descreva um mundo espiritualizado: repleto de mestres e de sabedoria. Como num filme antigo.
Infelizmente, caros leitores ― e perdoem se os decepciono ―; não posso corresponder a tal expectativa. Pois o Japão que conheço é o do frenético século XXI: um país pouco ou nada “zen”; onde muitos cidadãos preferem junk food a sushi e até aplaudem o “american way of life”. E foi esse Japão que, em maio deste ano, adentrou uma nova era: conhecida como Reiwa.
Para que os leitores possam compreender melhor o significado do termo “Reiwa”, vai aí uma rápida explicação: toda vez que se tem um novo imperador, o calendário recomeça a contagem a partir do “ano um”: iniciando-se assim uma nova era: com um novo nome, naturalmente. Assim, o reinado do imperador Akihito, que se estendeu de janeiro de 1989 a abril de 2019, foi conhecido como a “Era Heisei” ― sendo, pois, o ano de 2019 (até abril, vale frisar) considerado o de número “trinta e um” nos documentos oficiais do país. Porém com a abdicação do soberano ― e a consequente ascensão de seu filho, Naruhito, no primeiro de maio ― fez-se necessária a mudança de nome da era: que passou a ser “Reiwa”, palavra esta criada a partir de um complexo estudo da primeira antologia poética japonesa, intitulada “Manyoshu”.
Uma explicação mais detalhada do nome dado à nova era, aliás, certamente pediria outra crônica. Por isso, limito-me a informar aqui que, pela primeira vez, a palavra escolhida foi extraída da literatura japonesa ― e não da chinesa, como nas eras anteriores. Uma escolha que, embora de caráter “nacionalista”, já representa a primeira ruptura com as tradições feita pelo novo imperador: o qual necessita, sim, de que o Japão elimine pensamentos e, principalmente, leis arcaicas; como, por exemplo, a Lei da Sucessão Imperial, de 1947, que somente permite aos homens assumirem o trono (impedindo, pois, que a princesa Aiko, única filha de Naruhito, torne-se imperatriz).
Mas “jogos de tronos” à parte, o que espero, como estrangeiro, é que a “Era Reiwa” seja também a da aceitação das novas faces. Afinal, tal qual o meu filho, cresce a cada dia o número de japoneses (sim: aqueles que possuem, legalmente, a nacionalidade e o passaporte do Japão) que são, digamos, de “raças misturadas” (pai ou mãe estrangeira). É o que vejo em meu bairro, por exemplo: crianças japonesas que são filhas de africanos, europeus, etc. E, olhando para essas novas faces da Terra do Sol Nascente, meu coração enche-se de júbilo enquanto penso, esperançoso: “Um viva à Era Reiwa: a era da miscigenação!”.
EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, é autor dos livros “Sonhador Sim Senhor!” (2000), “Clandestinos” (2011), “Em Curto Espaço” (2012), “No mínimo, o Infinito” (2013) e “Filho da Floresta” (2015), “Trovas escritas no tronco de um bambu” (2018) e, mais recentemente, pela editora alemã JustFiction! Edition: GOTAS FRIAS DE SUOR (Microcontos góticos, 2018). Página para contato com o autor: https://www.facebook.com/edweine.loureiro
Que maravilhoso texto!
Tão gostoso de ler, quanto informativo. Uma combinação perfeita.
Parabéns, Edweine Loureiro.
Excelente, suas observações sobre os costumes e preferências do povo japonês, as explicações sobre os imperadores e, a velha e nova era, é muito interessante e nos deixa curiosos e aguardando novos textos. Parabéns Edweine!
Queridas Dill e Vera, muito obrigado pela carinhosa leitura. Fiquei muito feliz com vossos comentários. Um grande abraço do Japão, queridas.
Excelente texto!
Uma aula cultural fantástica. Parabéns!
Texto excelente que nos dá uma visão perfeita do novo Japão. Foi como uma aula, uma aula cultural de grande valor. Muitos parabéns Edweine Loureiro. Abraço.
Queridos Gil e Celeste, muito obrigado por essas carinhosas palavras. Fico feliz em poder escrever a respeito do Japão contemporâneo. Um abraço, queridos!