QUEM afirma que o povo japonês só trabalha e jamais se diverte certamente ainda não presenciou um “hanami”. Aliás, o termo, oriundo da aglutinação entre a palavra “hana” (flor) e a primeira parte do verbo “miru” (ver), já é, em si, de um colorido que reflete muito bem a alegria dos japoneses que, todos os anos, reunem-se para celebrar ― com um bom bate-papo, muita comida e saquê ― o florescimento da cerejeira (ou “sakura”).
E não se trata, aqui, de um simples piquenique no parque. Não, caros leitores: o hanami também simboliza, para os japoneses, a necessidade de renovação que chega com o fim do inverno. É tempo de sair de casa com a família e os amigos para apreciar tudo o que a Natureza nos proporciona. Tempo de novos ares… e de esperanças. De modo que, não coincidentemente, o “abril das cerejeiras” é também o mês no qual empresas e escolas reiniciam suas atividades. Além de ser um período em que as pessoas decidem mudar de casa, de emprego e até de estilo de vida (por exemplo, iniciando exercícios físicos).
Mas o florescimento da cerejeira também tem um outro significado, a meu ver, ainda mais poético: o do valor da brevidade da vida. Isso porque as flores, adornando a cerejeira por um período de apenas duas semanas, ensinam-nos a aproveitar a beleza daquilo que é fugaz… como a própria existência humana.
Os árcades ― poetas do século XVIII que foram influenciados pelo Iluminismo ― tinham, a respeito dessa fugacidade, um termo em latim que sempre me fascinou: o “carpe diem”; que significa “aproveitar o dia”. Um princípio que também foi ensinado pelo professor interpretado por Robin Williams no filme “Sociedade dos Poetas Mortos”. E é precisamente o “carpe diem” que me vem à lembrança quando observo a felicidade de meus irmãos japoneses ao redor de uma cerejeira em flor: pois percebo, ali, de como às vezes perdemos tempo tentando “vencer na vida” ou “ganhar uma batalha” (muitas vezes, de ego), quando a verdadeira vitória está em sentar-se e agradecer pelos breves momentos de alegria que a vida nos oferece. Uma ideia que, vale ressaltar, também Matsuo Bashō (1644-1694) transmitiu em haicais como este:
“Nao mitashi/ hana ni ake yuku/ kami no kao”.
O que, traduzido aproximadamente, seria: “Quero ainda ver/ nessas flores, no alvorecer,/ a face de um deus”.
Ao escrever tão lindos versos, Bashô possivelmente também se inspirava no fenômeno do “komorebi”, que é a luz do sol, dispersa e “salpicada”, brilhando através das árvores: como se, de fato, um deus resolvesse aparecer, fragmentado, diante de nossos olhos. É, pois, a imaginação do poeta sendo aguçada pelo registro de um momento que, exatamente por ser breve, torna-se tão divino: como o hanami… e a vida.
SOBRE O AUTOR:
EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, é autor dos livros “Sonhador Sim Senhor!” (2000), “Clandestinos” (2011), “Em Curto Espaço” (2012), “No mínimo, o Infinito” (2013) e “Filho da Floresta (2015), os dois últimos vencedores, respectivamente, dos Prêmios Orígenes Lessa e Vicente de Carvalho da União Brasileira de Escritores – RJ (UBE-RJ), em 2016. E, em setembro de 2017, seu livro, ainda inédito, “Crônicas de um Japão Caboclo” obteve, também pela UBE-RJ, o Prêmio Alejandro Cabassa. Foi também um dos autores premiados no Concurso de Poesia Agostinho Gomes, em Portugal, em 2017.
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