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Filas

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CINEMAS, restaurantes, estações de trem… ou até mesmo para comprar um simples sorvete. Sim, caminhar pelas ruas japonesas significa presenciar, diariamente, filas (termo usado pelos brasileiros para o que, em Portugal, é conhecido como “bichas”) em todas as partes e de todos os tamanhos ― não raramente, enormes. Filas que espelham perfeitamente o caráter do povo nipônico: o respeito à ordem e ao direito do outro.

Tal respeito deveria ser mundial, mas, infelizmente, não é isso o que testemunhamos em muitos países. Em minha pátria, o Brasil, por exemplo, o respeito às filas é uma exceção. Pois o que mais se vê é um querendo passar na frente do outro, na base do “eu conheço quem está atendendo” ou do famigerado “sabe quem eu sou?”. De tal modo que ver as organizadas filas japonesas, confesso, é um colírio para estes olhos, cansados (e irritados) de testemunhar o tal “jeitinho brasileiro”.

E para terem uma ideia mais precisa de como o respeito às filas é importante na Terra do Sol Nascente, permitam-me descrever uma cena a que presenciei recentemente: em Ueno, bairro tradicional de Tóquio, há um grande museu localizado no parque principal do lugar: certa vez, vi uma fila quilométrica de pessoas que esperavam na entrada do referido museu e, próximo a elas, um guarda caminhava com uma placa que indicava que o tempo mínimo de espera seria de… cento e oitenta minutos. Isso mesmo que leram: três horas sob um sol escaldante (era uma tarde de agosto) para ver os quadros dos mestres renascentistas. E sem uma cena de tumulto sequer: pois todos caminhavam, lenta e pacientemente, obedecendo ao seu turno na fila… A cena, aparentemente banal, chamou-me a atenção por dois aspectos: primeiro, pela valorização da Arte ― aquela multidão não estava ali para um jogo de futebol ou shows de celebridades: mas para desfrutarem pinturas centenárias. E, segundo, pelo rosto plácido de todos na fila: ninguém gritava contra os demais, exigindo para passar na frente, ou culpando ao Universo por ter de esperar sua vez.

E esta calma, vale frisar, também é a mesma em repartições públicas: todas as vezes que fui a bancos, por exemplo, pude testemunhar a mesma organização nas filas. Claro que a eficiência própria dos servidores públicos no Japão contribui para o “andar rápido das filas”. Mas de nada adiantaria tal celeridade se não houvesse os princípios do respeito e da boa educação característicos da população. Princípios esses que, se ignorados na base, contaminam a sociedade como um todo.

Afinal de contas, um povo que não demonstra moralidade nos pequenos atos da vida social ― como respeitar uma fila ― pode até tentar gritar contra os desmandos de um governo: mas estará gritando em vão ― para um espelho.

SOBRE O AUTOR:
EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas – Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, é autor dos livros “Sonhador Sim Senhor!” (2000), “Clandestinos” (2011), “Em Curto Espaço” (2012), “No mínimo, o Infinito” (2013) e “Filho da Floresta (2015), os dois últimos vencedores, respectivamente, dos Prêmios Orígenes Lessa e Vicente de Carvalho da União Brasileira de Escritores – RJ (UBE-RJ), em 2016. E, em setembro de 2017, seu livro, ainda inédito, “Crônicas de um Japão Caboclo” obteve, também pela UBE-RJ, o Prêmio Alejandro Cabassa. Mais recentemente, em outubro, também obteve a Menção Honrosa no Prêmio Miau de Literatura, com o livro “Trovas escritas no tronco de um bambu”.
Página para contato: https://www.facebook.com/edweine.loureiro

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