RECENTEMENTE, comecei a lecionar em Monzen-Nakacho, um bairro de Tóquio conhecido principalmente por dois aspectos: o de ser “o bairro do café”, em virtude de grande número de cafeterias lá existentes, e pelo templo budista “Fukagawa Fudô-dô” (sem trocadilhos, por gentileza). Infelizmente, não dispondo de muito tempo entre uma aula e outra, ainda não pude tomar um café (bebida pela qual sou absolutamente apaixonado); mas o templo, este sim pude visitar, uma vez que está localizado logo na saída da estação de metrô.
Trata-se o referido “Fudô-dô” (nome pelo qual é mais conhecido) de um templo budista, fundado no século XVIII para louvar Fudô-miô, um deus que subjuga demônios ― e, curiosamente, também para orar pela “segurança nas ruas e estradas”. Talvez porque demônios têm tudo a ver com trânsito…
Mas prosseguindo: a história do local já daria, por si só, tema para várias crônicas. Hoje, porém, prefiro tratar do ponto que mais me chamou atenção em minha primeira (e rápida) visita: a perfeita harmonia entre a modernidade e o passado, que caracteriza o templo.
Isso porque é impossível não ficar gravada na retina a imagem do templo que, fazendo uso de elementos modernos (produto de reformas sofridas), conseguiu manter o “espírito” da centenária arquitetura original. E tal preocupação com a preservação, acredito, é consequência, sobretudo, do respeito que os moradores locais têm pelo Fudô-dô (sem piadinhas, já disse!), que, apesar de ser mais novo que o adjacente Tomioka Hachimangu (este o templo xintoísta que deu origem ao bairro), tornou-se um dos principais símbolos de Monzen-Nakacho. De modo que, mesmo quando fizeram uma grande reforma no pátio principal do templo (alvo de bombardeios na Segunda Guerra), houve uma preocupação de que o moderno e o antigo pudessem coexistir sem que a construção original fosse prejudicada.
Aliás, tal como ocorre em Monzen-Nakacho, observa-se no Japão sempre esse desejo de preservação da história: mantendo intactos, por exemplo, até mesmo os destroços de uma tragédia (caso da “Cúpula da Bomba Atômica” em Hiroshima), como uma forma de lembrança ― e também de lição ― para que os erros de gerações anteriores não sejam repetidos.
E, testemunhando no Japão esse respeito pelo passado, só posso lamentar países (incluindo o meu Brasil) que valorizam tão pouco o papel da História. Por isso, fico triste quando vejo, por exemplo: museus abandonados (e até incendiados); estátuas depredadas (seja pelo Talibã ou por “rebeldes de redes sociais”); ou, ainda, professores e historiadores sendo chamados pejorativamente de “doutrinadores” apenas por fazerem o seu trabalho, que é o de informar e incentivar o questionamento.
Sim, fico triste… e chateado: por sociedades que não compreendem uma verdade tão simples ― a de que, riscando o passado, riscamos também o futuro.
EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, é autor dos livros “Sonhador Sim Senhor!” (2000), “Clandestinos” (2011), “Em Curto Espaço” (2012), “No mínimo, o Infinito” (2013) e “Filho da Floresta” (2015), “Trovas escritas no tronco de um bambu” (2018), “Gotas frias de suor” (2018) e “Centelhas” (romance, 2019). É também colunista do “Jornal em Dia” (Brasil).