A PERDA de minha mãe levou-me a rever alguns comportamentos que eu considerava “normais”, ou, pelo menos, sem graves consequências; sendo o principal deles a interação através das redes sociais. Claro que eu não precisava de um choque tão grande para perceber que amizades virtuais são facas de dois gumes: pois, se por um lado, podemos ter a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas ― e eu tenho encontrado amigos excelentes, especialmente no meio literário ―, em contrapartida também corremos o risco de “abrir as portas” para todo tipo de sociopata. E, ao publicar no Facebook, no início de novembro, a respeito de minha dor, vivenciei esses dois lados. Felizmente, a maioria que comentou foi educada e solidária; mas houve dois casos, para dizer o mínimo, bizarros. O primeiro foi o de uma “amizade” que compartilhou o anúncio do falecimento aproveitando-se de minha falha de tê-lo postado de modo público. Um descuido de minha parte, sim, mas que não daria o direito, nem a ela nem a ninguém, de compartilhar algo tão pessoal. Já o segundo episódio foi um verdadeiro absurdo: trata-se de um indivíduo que me deu os pêsames e, em seguida, escreveu que “a perda era só mais um motivo para que eu votasse no dia das eleições”. Quer dizer: além de insensível, nem se deu ao trabalho de verificar que resido no Japão, e que, portanto, não voto em eleições municipais. Bloqueei a ambos, claro, e imediatamente. Mas depois fiquei pensando que a culpa foi mesmo minha: por aceitar amizades virtuais de modo indiscriminado.
Aliás, chego a perguntar-me até se eu não deveria ter adotado há muito tempo a prática japonesa de limitar os contatos nas redes sociais ― e, assim, evitar as arapucas. Mas, brasileiramente, no Facebook tenho o arriscado hábito de seguir aquela canção da dupla Erasmo e Roberto: “eu quero ter um milhão de amigos…”. A ponto de até minha esposa surpreender-se e perguntar o porquê de eu possuir mais de três mil “amizades” na referida rede. Foi quando a indaguei a respeito de quantas amizades ela tinha no Facebook. “Por volta de cinquenta” ― respondeu-me, para depois completar: ― “E muitas dessas são as mesmas amizades que tenho na vida real”. Sim, foi exatamente isso que leram: nas redes sociais, os amigos dos japoneses são basicamente os mesmos da vida real. Bem diferente de nós, brasileiros, que, com raras exceções, adoramos a ilusão de popularidade que o acúmulo de “amigos virtuais” pode criar.
Aí fica a pergunta: são os japoneses fechados demais, ou os brasileiros somos exageradamente abertos? Particularmente, acho que não há o certo nem o errado nessa discussão: apenas duas culturas diferentes. Quanto a mim, em vez de tentar escolher entre um ou outro costume, prefiro agir nas redes da mesma forma com que me comporto na vida real: abrindo o coração para novos contatos, que podem vir a tornar-se, sim, boas e verdadeiras amizades. E, quando me ferem, excluo e sigo em frente. Simples assim.
EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em mais de quatrocentos concursos literários no Brasil, na Espanha e em Portugal, é autor de nove livros, sendo o mais recente: “Crônicas de um latino sol nascente” (Telucazu Edições, 2020):
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