RECENTEMENTE, assisti ao filme “Nomadland” (terra de nômades). A obra cinematográfica, estrelada pela sempre magnífica Frances McDormand, é uma viagem em todos os sentidos: pelo oeste norte-americano, e pelas lembranças de todos nós em relação àqueles que, física ou espiritualmente, tiveram de partir. O roteiro é, em sua essência, muito simples: após perder o trabalho e a residência em virtude da crise econômica de 2008, Fern passa a morar em seu furgão, com o qual vai percorrendo os Estados Unidos e encontrando, em sua jornada, outros “nômades” gerados pela referida crise.
Em um mais um ano de perdas, provocadas agora por uma infernal pandemia ― inferno, aliás, que parece não ter fim ―, Nomadland vai inevitavelmente levar os mais sensíveis (como este que vos escreve) às lágrimas. E não é exagero: pois é muito difícil não se emocionar quando nos lembramos de cada “despedida” ao longo da vida ― seja porque alguém que amávamos faleceu, ou porque nós mesmos, pelos mais diversos motivos, fomos forçados a colocar o pé na estrada.
A mim, particularmente, o tema da partida despertou tantas memórias durante a projeção do filme. Por exemplo, de quando me despedi da família, em 2001, no aeroporto de Manaus, embarcando para um então totalmente enigmático Japão. Ou de quando visitei meus pais em 2015: a última oportunidade que tive para abraçar minha mãe, falecida no ano passado. Partidas, perdas, memórias, lágrimas… tudo o que faz parte de nossa humanidade é espelhado pelas lentes da diretora Chloé Zhao ― não à toa a grande favorita na cerimônia do Oscar, a ser realizada daqui a uma semana.
Mas, independente de estatuetas douradas, o longa de Zhao já cumpriu o seu papel na história do cinema: o de tornar-se um filme inesquecível. Um filme que muito provavelmente já nasce clássico em virtude de sua linguagem universal… e atemporal. Tanto que estou me contendo aqui para não dar mais detalhes a respeito de “Nomadland”, e, assim, não estragar a experiência dos leitores. Não obstante, gostaria de terminar esta crônica traduzindo aproximadamente uma das frases emblemáticas do filme ― e que foi repetida pela diretora no seu discurso de agradecimento na cerimônia dos “Globos de Ouro”. Após dizer a Fern que não acredita em despedidas finais, um dos personagens que ela encontra pelo caminho conclui com estas palavras: “Prefiro pensar que ‘nos veremos por aí, descendo a estrada’” (do inglês “down the road”).
Também acredito muito nisto: de que um dia, de um modo ou de outro, todos nos reencontraremos na estrada. Até lá, portanto, que possamos viver plenamente.
EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em mais de quatrocentos concursos literários no Brasil, na Espanha e em Portugal, é autor de nove livros, sendo o mais recente: “Crônicas de um latino sol nascente” (Telucazu Edições, 2020): https://kondo.lojaintegrada.com.br/cronicas-de-um-latino-sol-nascente-edweine-loureiro