A VIDA faz uma pausa prolongadamente breve na tarde brevemente prolongada.

Ouço suspiros árduos serem derramados na impossibilidade masculina de ver ter lágrimas nas faces ásperas de socalcos mais ou menos arados.

Paira na invisibilidade do meu olhar a réstia nublada transparente do que é, timidamente ainda ligado ao que era, num interlúdio vago entre realidades distintas, a realidade irreal e a realidade infinitamente não real, para onde vaguearemos quando nos cansarmos de jogar, pelo tempo, pela vontade, pelo momento, pela idade.

Nesta irreal realidade dei já várias voltas à mais comum das claves, Sol. Parece uma eternidade quando nos habituamos a viver abaixo das nuvens, deixando-nos arrastar na temporalidade intermitente do quotidiano para onde nos empurram: Ide e possuí!

Dezenas suspendem-se, timidamente olha-se para o lado, procuram-se caras conhecidas, para nos percebermos desconhecidos de nós mesmos, vivos menos vivos que se aglomeram na homenagem ao vivo agora Vivo.

Morreremos, eis a certeza que nos baptiza e que independe de religião. E na correlação do que somos e saberemos ser, a tragédia acomete-se pelo esquecimento da mais profunda certeza: o meu próximo suspiro poderá ser o meu último olhar.

Porque não fazer de ambos, suspiro e olhar, o pão nosso de cada dia?

Deixarmos entrar pelo olhar o suspiro que sopra de cada ser vivo e inanimado como partes unas de uma díspar caminhada num longo trajecto, um trilho inacabado onde o chão se faz de neblina ténue, onde a única certeza é acabar-se-nos o chão para podermos, ainda que com receio do desconhecido, dar um passo firme a caminho do infinito.

As badaladas carregam em ombros o paralelepípedo ornamentado, já não estará cá quem de cá se despede. Ninguém partiu. Partimos nós de nós próprios quando nos julgamos viver fora dos outros e procuramos no exterior do que temos quem somos.

Os abraços prolongam-se e por momentos as nuvens copiam os movimentos das masculinas e femininas despedidas, arrastando pelo agora fresco entardecer uma brisa sensível, um conforto a nós, cegos, rodeando cada familiar, cada amigo, cada inimigo, com uma esperança de um dia termos daqui a honrosa saída, enquanto outros murmuram: é a vida.

Mas a vida apenas é quando a chamamos assim: Vida.

SOBRE O AUTOR: Miguel Gomes, nasceu no Porto em 1975, reside desde essa altura em Cête, freguesia do concelho de Paredes. Estudou engenharia informática e tem pautado a actividade profissional entre o ramo industrial da informática, gestão administrativa, ensino e formação. Apaixonado por Trás-os-Montes e Açores em geral e pela vida em particular, é co-autor das exposições de fotografia e poesia “Alma Tua“, subordinada ao vale do Tua, e “Rota do Românico: Caminho de Encanto“, subordina à Rota do Românico, publica igualmente os seus textos no blogue “Serenismo“. Publica regularmente crónicas na revista online “Bird Magazine” e começou a colaborar com o Correio do Porto em 2016.

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