NÃO deves ter visto, quando certamente tiveste oportunidade já o que desenhei no céu da noite tinha desaparecido com a luz madrugadora do Sol ainda este vinha a barbear-se pelo monte acima.
Passei a noite de queixo encostado ao corrimão do alpendre, a olhar para o céu, a arrumar as constelações a meu jeito.
Diria que seria escrita, mas as palavras têm uma certa tendência para se aninharem no meu colo e quando as quero usar lançam-me o olhar mortiço e preguiçoso de quem está entre sonos e pede um pouco mais de descanso.
Acredito que hoje, a caminho de casa, quando for a imaginar os caminhos que gostaria de percorrer, surjam perenes e sem demandas se aninhem no banco do passageiro, criando paisagens que conheço apenas de antes de nascer.
Talvez logo, quando o cansaço da noite mal dormida me puxar o calção-pijama, eu sinta que as palavras que me fazem falta sejam o conforto que encontro na ausência piramidal de um futuro onde se falaram vozes que jamais ousei ouvir.
Deixo para o horizonte as imagens de paisagens que serão destino, viagens, sei lá, de quem se augure parir e partir.
Por aqui tudo sobe, sobra, desejo mil de desejar urdir por entre grossos aguaceiros o cubículo onde habita o que sou, sem ser mais que o menos.
É no nada que me cabem as histórias que teimosamente não escrevo, talvez egoísmo, talvez medo. Olho para dentro e procuro as mesmas estrelas que o único céu que conheci me mostrou. Sei lá, nem cá, encontrando aquilo que sou em cada localização onde não me encontro.
E não me expresso, sei-me hipérbole, feliz pela pacificidade encontrada na tua face, onde mais?, de sonhar com as palavras que são ensinadas por quem aprende, de quem se soltam as amaras, no casulo de uma folha em branca porque não se sabe, o papel, ventre imaculado, silêncio, o sagrado.
Talvez me canse, um dia, uma noite, de me ter labirintizado e percorrido com as mãos nas sebes todas as fronteiras entre este lado e as bandas de lá, onde se move o tempo como quem espalha as correntes pelos rios, subindo e descendo a horizontalidade e na verticalidade do sentir se deita cansado, cansada, quem à vida se deixar fazer inocência ancorada.
Olho o tempo, perdi segundos a pensar sobre ele, olho para mim e vejo-me navegado num rio que se vai esvaindo sem que necessite de o naufragar.
Afinal, estas águas são folhas caídas de um mar.
SOBRE O AUTOR: Miguel Gomes, nasceu no Porto em 1975, reside desde essa altura em Cête, freguesia do concelho de Paredes. Estudou engenharia informática e tem pautado a actividade profissional entre o ramo industrial da informática, gestão administrativa, ensino e formação. É co-autor do livro “Alma Tua” (2019, Guerra e Paz) subordinado ao Vale do Tua e da exposição de fotografia e poesia “Rota do Românico: Caminho de Encanto“, subordinada à Rota do Românico. Publicou crónicas na revista online “Bird Magazine” e, actualmente, no Correio do Porto e Canal N. Publica igualmente os seus textos no blogue “Serenismo“. Começou a colaborar com o Correio do Porto em 2016.