COMPREENDO agora a falta das palavras e a necessidade de as acarinhar antes de as deitar no papel. Sinto falta de escrever como quem anseia por um sorriso ao final de um dia de trabalho. Trago muitas vezes as palavras presas por uma voz trémula, a vida traz-me episódios de gente normal que não consigo escrever, quanto mais viver. As noites frias, as mesmas que me trazem cieiro e me gretam o falar, são as pródigas em estrelas que flamejam, mas não ardem. Os caminhos que percorro antes de dormir dão voltas e voltas ao Universo, retornam ao local de onde nunca saíram, onde vejo ainda um puto, eu, a caminho da escola, com os mesmos pensamentos, mas mais pureza. Tento encontrar os meus passos, segui-los, descobrir as pequenas migalhas que sei ter deixado escondidas entre pinheiros e as pedras dos muros, mas descubro apenas pensamentos, sonhos, risos que ficaram impregnados nos silêncios das noites gélidas.

Adoro o silêncio. O silêncio. O silêncio repetido no silêncio do meu falar. Adoro ouvir o vazio, sentir o tremeluzir das estrelas, saborear a força que fazem em manterem-se estrelas, luz, agarrando-se com firmeza ao vácuo que preenche as distâncias no infinito.

Deixo que as mãos percorram o teclado, os dedos conhecem bem as teclas, batem com suavidade agressiva nas letras brancas, para que além do grafismo fique preso o sentimento e o silêncio.

Os capítulos do livro da minha vida são escritos com pessoas, letras que se juntam e separam, palavras que marcam invisivelmente, que se dizem e se calam. Questiono-me se existirá, ainda, espaço em mim para carregar ainda mais vidas de socalcos e planícies que nunca vivi.

É com naturalidade que as palavras se calam, vêm e vão com a simplicidade do vento de Inverno, chegam, gelam, fazem ruborescer.

Depois partem para longe, escondem-se por detrás da alma, seguram o sorriso e deixam que o sonho embale a noite nos ruídos da vida.

SOBRE O AUTOR:Miguel Gomes, nasceu no Porto em 1975, reside desde essa altura em Cête, freguesia do concelho de Paredes. Estudou engenharia informática e tem pautado a actividade profissional entre o ramo industrial da informática, gestão administrativa, ensino e formação. É co-autor do livro “Alma Tua” (2019, Guerra e Paz) subordinado ao Vale do Tua e da exposição de fotografia e poesia “Rota do Românico: Caminho de Encanto“, subordinada à Rota do Românico. Publicou crónicas na revista online “Bird Magazine” e, actualmente, no Correio do Porto e Canal N. Publica igualmente os seus textos no blogue “Serenismo“. Começou a colaborar com o Correio do Porto em 2016.

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