SENTIR e ver momentos de carinho despojado é raro, talvez por não estar com os olhos sempre sintonizados na frequência certa ou, simplesmente, porque nem sempre eles saltam à vista.

Estou na fila para a caixa da Staples (Constituição), na caixa três meninas, uma funcionária e duas pré-funcionárias (estagiárias).

A funcionária mais velha explica às duas meninas o que devem fazer, como fazer, aponta todos os detalhes, creio que alguns detalhes nem ela se lembrava.

Ensina com um carinho e sorriso na face, com uma sinceridade que desmancha o egocentrismo, uma autenticidade despojada de quem dá de si, para que outros sejam mais do que ela mesma.

Sem medo de se ver ultrapassada.
Parece-me tão raro.
Na vida e na escola.

Quantos de nós ensinamos de facto tudo o que sabemos a outros, sem medo que nos ultrapassem?
Ser professor, de escola e de vida, deve ser isto mesmo.
Sermos degrau para mais altos voos.

Paguei.

As estagiárias, atentas a todos os procedimentos, nem reparam que a monitora escreve incorrectamente o nome da empresa na factura, mas que interessa este pormenor?
No meio disto tudo, recebo as duas sacas e a resma de papel e levo comigo três sorrisos.

Sim, os sorrisos foram grátis.

SOBRE O AUTOR: Miguel Gomes, nasceu no Porto em 1975, reside desde essa altura em Cête, freguesia do concelho de Paredes. Estudou engenharia informática e tem pautado a actividade profissional entre o ramo industrial da informática, gestão administrativa, ensino e formação. É co-autor do livro “Alma Tua” (2019, Guerra e Paz) subordinado ao Vale do Tua e da exposição de fotografia e poesia “Rota do Românico: Caminho de Encanto“, subordinada à Rota do Românico. Publicou crónicas na revista online “Bird Magazine” e, actualmente, no Correio do Porto e Canal N. Publica igualmente os seus textos no blogue “Serenismo“. Começou a colaborar com o Correio do Porto em 2016.

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