É uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa pelo chão.
Os degraus, quanto mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer a lição.
Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
o lastro do coração.
Sobe-se numa corrida.
Correm-se p’rigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.
David Mourão-Ferreira in Obra Poética (1948-1995) Assírio & Alvim, março 2022, página 223