A linguagem é uma obra da natureza e do homem.
As coisas «falam» à nossa sensibilidade que converte a impressão recebida numa forma de som articulado; isto é, «nomeia» a coisa que a feriu.
O nome de uma coisa (principalmente das coisas vivas e naturais) é, por assim dizer, ela mesma em espírito verbal.
Ora, quando a sensibilidade de um povo responde, de um modo especial, às coisas que lhe «falam», ou quando elas impressionam de um modo especial a sensibilidade de um povo, é porque ele tem uma alma própria, o dom de conceber e sentir o mundo e a vida por virtude própria.
E se as coisas nos falam, também nos falam os nossos sentimentos, para serem «nomeados» e adquirirem expressão vivente. E quando esta expressão não encontra equivalente nas outras línguas, diz-se intraduzível.
De um modo geral e vago, assim se criaram as palavras, verdadeiros seres, que, de organismos rudimentares, interjeccionais, se foram aperfeiçoando, pelas leis que presidem ao desenvolvimento das outras criaturas.
Já Horácio considerava as palavras como seres que nascem, que se transformam, envelhecem e morrem. Se as palavras «existem» para o maior número, é certo que elas vivem para os artistas.
O génio poético de Horácio viu aquilo que só muitos séculos depois a inteligência dos filólogos compreendeu. Por isso, afirmei no prefácio que o poeta conhece as verdades em primeira mão.
Por Teixeira de Pascoaes, in A arte de ser português, Assírio & Alvim, 3.º edição Outubro 1998, página 17.