1.
TREZE MANEIRAS DE OLHAR PARA UM MELRO
I.
Entre vinte montanhas cheias de neve
a única coisa que se mexia
era o olho do melro
II.
Eu era de três mentes
como uma árvore
onde há três melros.
III.
O melro rodopiava no vento de Outono.
Era uma pequena parte da pantomima.
IV.
Um homem e uma mulher
são um só.
Um homem, uma mulher e um melro
são uma só.
V.
Não sei de que gosto mais,
se da beleza das inflexões
ou da beleza das sugestões,
quando o melro assobia
ou imediatamente a seguir.
VI.
Sincelos enchiam a enorme janela
de vidro bárbaro.
A sombra do melro
atravessava-a, de um lado ao outro.
O estado de espírito
traçava na sombra
uma causa indecifrável.
VII.
Ó homens franzinos de Haddan,
para quê imaginar pássaros doirados?
Não vêem como o melro
passeia em redor dos pés
das mulheres à vossa volta?
VIII.
Sei de nobres acentuações
e de ritmos lúcidos, inescapáveis;
mas também sei
que o melro está contido
naquilo que eu sei.
IX.
Quando o melro voou para fora de vista,
marcou o cimo
de um de muitos círculos.
X.
À vista de melros
voando numa luz verde
até os malabaristas da eufonia
seriam capazes de feitos.
XI.
Foi pela estrada até ao Connecticut
num carro de vidro.
Uma vez, ficou varado de medo
quando confundiu
a sombra dos seus apetrechos
com melros.
XII.
O rio corre.
O melro deve ter começado a voar.
XIII.
Ficou noite toda a tarde.
Nevava
e continuaria a nevar.
O melro ficou
nas pernadas do cedro.
Wallace Stevens traduzido por Helder Moura Pereira in Animal Animal um bestiário poético, Assírio & Alvim, fevereiro de 2005, página 118
2.
VARIAÇÕES SOBRE UM TEMA DE STEVENS
Não é o canto do melro: é antes o silêncio
que nos deixa, um silêncio
que é algo diferente do silêncio
porque nele ainda soa a lembrança do canto
do melro. Nem silêncio
nem canto: o que acontece quando o canto
já acabou e ainda não começou o silêncio.
Podes chamar-lhe alma.
Miguel d’Ors in O fiasco perfeito, Língua Morta -Poesia Incompleta, maio 2021, tradução de Luís Pedroso
3.
O CANTO DO MELRO
Da ponta do bico brilhante e amarelo
da ave pequena soltou-se um trinado.
De dentro de um ramo de folhas doiradas
o melro lança o seu cantar pelas águas do lago
Poema da Cultura Celta (irlandês), anónimo, séc: VIII-IX
Tradução de José Domingos Morais, página 565 da Rosa do Mundo, edição Assírio & Alvim, Porto 2001, 3.ª edição, agosto 2001.
4.
EM FLORENÇA, COM FIAMMA (1986)
Era em Florença, num verão sem usura.
A cidade, que nós víamos de San Miniato,
desfazia-se em luz,
Nos labirintos do Jardim Boboli,
tu e um melro rente à relva,
cantava, um para o outro.
Não sei qual das vozes era mais pura,
se a do fio de água que subia
no canto do melro ou, mais frágil
e rente ao chão, a tua.
Eugénio de Andrade, in Poesia, Assírio & Alvim, setembro 2017, página 625
5.
Gosto também de ouvir os pássaros e desenhar o seu canto.
Qual é o canto de ave que mais gosta de desenhar?
O do melro, aparece muito no meu quintal. Os melros têm um perfil lindo, preto, aquela organização da cabecinha… são fantásticos!
Entrevista de Francisco Duarte Mangas a Júlio Resende publicado originalmente no Diário de Notícias de 11 de novembro de 2002 e republicada online →
6.
Monge solitário.
Na primavera
desafia as chuvas
escondido na brancura
das cerejeiras.
Por Francisco Duarte Mangas, in O noitibó, a gralha e outros bichos, Editorial Caminho, Setembro de 2009, página 39.
7.
Os melros em silêncio, neste período do dia que é seu, os melros coroam a aurora, o seu canto parece um lamento remoto, mas é outra coisa: é um festim à pureza da luz primordial. Nos ramos altos das árvores, em pontos distintos, tecem o dia nos finos assobios. Repito, quem introduziu na ilha estes pequenos corvos com fogo bico merece ser louvado como a Senhora da Anunciada.
Por Francisco Duarte Mangas in O Alfarrabista de Ponta Delgada, Caminho das Palavras, março 202, página 60
8.
Perante estes cânticos (melro), o mar emudece para os ouvir.
Por Francisco Duarte Mangas in O Alfarrabista de Ponta Delgada, Caminho das Palavras, março 202, página 130
News dal giardino: la merla Bambinona ha messo sù famiglia con il marito Arancione, oggi prima passeggiata a terra del loro piccolo Por Barbara Barcam publicado in Facebook
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Publicado por Cristina Pascoal em Sábado, 2 de maio de 2020