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A Agustina certificou-me

A Agustina certificou-me

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POR dever de ofício, todos os dias ao fim da tarde, entrava no gabinete de Agustina Bessa-Luís para lhe mostrar a maquete da primeira página de “O Primeiro de Janeiro”. Desconcertante, ela não se assumia como directora, mas como alguém que tinha a oportunidade de poder ler os títulos e as notícias em primeira mão. Nunca interferia na matéria noticiosa que se lhe apresentava diante dos olhos.

De início, eu chamava-lhe a atenção para um ou outro assunto mais sensível. Depois desisti por saber antecipadamente a sua resposta: «Disto sabem vocês, os jornalistas. Aqui, eu só sou a directora». Limitava-se a emprestar ao jornal o prestígio do seu nome. E a escrever o chamado artigo de fundo.

Todos sabemos como as pessoas das Letras são ciosas das palavras que escrevem. Então os escritores… Preocupado com a intrincada caligrafia de Agustina Bessa-Luís, o Adelino, chefe da Tipografia, incumbiu o mais cuidadoso dos seus teclistas para “bater” os artigos de fundo da nossa directora.

Apesar da competência desse profissional (que pena não me lembrar do seu nome) os artigos da D. Agustina andavam sempre numa roda viva entre o teclista e o Pina, o chefe da Revisão. Cirandavam, vezes sem conta, entre ambos, até não haver uma gralha. Mas um dia, nem todo esse esmero resultou. Uma palavra do artigo revelou-se indecifrável, até mesmo ao próprio Pina, revisor de muitos anos, habituado a caligrafias tão diversas como as de João Gaspar Simões (primeiro biógrafo de Fernando Pessoa), do poeta militante José Gomes Ferreira, ou do demiurgo Sant’Anna Dionísio. Perante tal dificuldade, não tive outro remédio senão telefonar-lhe. Passava já das dez da noite…

«O que aconteceu, Froufe?». Pelo tom de voz fez-me saber que a estava a importunar e muito. Engasguei-me em desculpas. E ela calada. Mal refeito, pu-la então a par da razão do telefonema. D. Agustina respondeu-me com uma risada sem fim. Não um riso escarnica, mas um riso de quem o faz por gosto. Finalmente, falou: «Ó Froufe, isso não tem importância nenhuma. Escolha uma palavra qualquer que lhe pareça bem». E desligou.

Sempre surpreendente, uma vez, a criadora de Sibila, certificou-me. Vindo de quem veio esse improvável certificado, dizer o quê acerca? A cerimónia da certificação ocorreu numa igreja do Porto, momentos antes de uma outra ter início, no caso um funeral de um amigo comum. Eu já não via a D. Agustina há muitos anos. Cumprimentei-a, ela rodeado de pessoas. Lembrar-se-ia ainda de mim? A resposta, desta vez, veio sem riso: «Então não lembro… é o chato do Froufe…»

Por Jaime Froufe Andrade publicado in Facebook

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