JÁ quase não há chuva abençoada, porque não é urbana. Ela atrapalha, faz-nos entrar de brusco e um desculpe que a culpa não é minha, mas da chuva. Não há pachorra, nem um pouco, quando se faz acompanhar pelo vento, de lado, de mansinho, transforma em fantasmas e frangalhos o mais robusto dos guardas da dita, a roupa e o cabelo. Pode dar uma boa fotografia, mas para quem a espera. Nos carros acomoda-se aos vidros e, por vezes, oculta do público o que queremos privado, mas só por vezes.

O mundo muda e abafa, sufoca-nos e transforma-nos numa íntima solidão, o breu das nuvens carrega ainda mais esse peso que transportamos: subir uma rua é forçar o destino. Resta-nos o silêncio, pedaços de conversa ou uma risada de quem ainda não tem idade de ter medo de olhar o céu nos olhos, ou desafiar uma poça. Eles, para quem os mistérios do mundo se desafiam com a facilidade de um jogo de bola, chapinham a alegria que poucos aprenderão para os restos dos dias. Mais depressa os ralhos avisados os domarão com uma constipação à mistura. Que inveja, da magia com que uma roda de bicicleta desenha, quando quebra pequenos regatos, enquanto as sapatilhas fogem dos pedais e se põem ao largo, como pássaros espantados, e não escapam de uma boa molha.

Mas a chuva urbana é irmã da outra, da necessária, rural, que tanto alimenta como destrói à fome a dignidade do homem.

Só que a chuva das cidades aparece quando não devia e nunca é breve para a circunstância. Uma chata como a vizinha. A irmã rural, da terra, da rega, das árvores não o é assim, pensamos nós, mas que se mude para lá!

Por João Paulo Coutinho

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