A SENHORA Magnífica pontificava na questão da fruta: era uma das boas comerciantes instaladas perto do consultório médico e da casa dos Megre. No seu lugar, encontrava-se a melhor fruta da época e toda a gente que podia pagar os seus altos preços ia ali comprar.
Eu passava pela sua loja a caminho da escola, entrava para comprar uma banana que ela se encarregava de escolher para mim, enorme. Quando quiseram construir um prédio no terreno que ocupava a sua frutaria, abandonou o sítio mas nem a Rua nem a actividade profissional. Continuou a vender fruta e hortaliça durante muitos anos, sentada num portal, em total desconforto, sempre com o frio pelas costas, sem arredar pé, de manhã à noite, de Verão e de Inverno.
Tinha um filho único com quem vivia, nunca se lhe conheceu outra família. Depois o filho casou e poucos anos mais tarde morreu. A Senhora Magnífica parece ter-se afastado da casa familiar. Acabou em total degradação, tanto no que diz respeito ao comércio – cada vez os seus artigos eram mais fracos, mais difíceis de vender e menos rendosos para ela –, como no que à sua pessoa dizia respeito, dormindo ou permanecendo quase ao relento num abismo de desamparo.
Desde há poucos anos, está confortável e em paz.
Texto de Zilda Cardoso publicado originalmente in A Rua do Paraíso, Edições Afrontamento, 2.ª edição, 2016, página 148
Não resisto à tentação de comentar.
Como eu apreciava a Sr.ª Magnifica! Era uma mulher extraordinária, bondosa e trabalhadora! Viveu tão só quase toda a sua vida… E sempre desconfortável. Nunca lhe ouvi qualquer queixa!
Não conheci ninguém com as suas qualidades verdadeiramente humanas.
Agradeço ao Jornal O Correio do Porto ter-me lembrado da sua figura exemplar…