AGOSTINHO de Sousa, 91 anos, natural das Termas de S. Vicente, Penafiel, é seguramente o barbeiro mais antigo da sua freguesia e do concelho ainda no activo. Deu formação e ensinou 16 barbeiros, alguns já morreram, mas outros ainda estão a exercer a profissão em vários concelhos da região.
Apesar de já ser ter reformado e deixado o estabelecimento em frente ao Hotel das Termas, onde trabalhou 68 anos, e que está agora entregue ao seu filho, Agostinho de Sousa, continua a trabalhar em casa, onde recebe os clientes mais antigos.
Foi neste espaço que Agostinho Sousa recebeu o Verdadeiro Olhar, enquanto cortava o cabelo e fazia a barba a um cliente residente em Canelas.
Apesar da sua já longa idade, este nonagenário não larga a profissão e tem uma legião de clientes que continuam a procurá-lo na sua barbearia, em casa, onde mantém todo o seu espólio e artefactos necessários para exercer o seu trabalho.
A Verdadeiro Olhar, Agostinho Sousa sustentou que devido aos muitos problemas de saúde da esposa, deixou o estabelecimento em frente ao Hotel das Termas e foi obrigado a improvisar um pequeno espaço em casa, onde conserva as tesouras, uma navalha e um assentador que mantém consigo e que serve para afiar a navalha.
Falando da sua profissão e de como se iniciou na arte, Agostinho Sousa, destacou que optou por seguir a profissão com 14 anos, tendo sido o único de vários irmãos que optou por seguir esta actividade.
“Os meus dois irmãos, que já faleceram, seguiram caminhos diferentes do meu, um foi para trolha e o outro para carpinteiro. Fui o único que quis seguir esta área”, adiantou.
“Quando iniciei a actividade fui para um mestre, paguei 500 escudos para aprender, que já era muito dinheiro, naquela altura”
Mas antes de enveredar pela barbearia, Agostinho Sousa confessou que trabalhou na agricultura, tendo mais tarde enveredado pela arte que mantém ainda hoje.
“Quando iniciei a actividade fui para um mestre, paguei 500 escudos para aprender, que já era muito dinheiro, naquela altura. Estive com esse mestre um ano, depois surgiu a oportunidade para trabalhar com um barbeiro que era do Porto e que costumava deslocar-se para o hotel da Torre, mas o meu antigo mestre, quando soube que pretendia trabalhar com o tal barbeiro, ligou-lhe dizendo que precisava de mim e acabei por nem ir para um lado nem para o outro”, afiançou, sustentando ter tido, também, uma passagem, ainda que breve, numa barbearia em Paredes, antes de se fixar junto ao hotel das Termas de S. Vicente, onde trabalhou praticamente toda a sua vida.
“Em frente ao hotel havia um senhor que tinha umas bombas de gasolina, era um gasolineiro, mas o seguro não lhe dava seguro se ele não arranjasse outro sítio para ter a bomba. O proprietário da bomba acabou por arranjar esse espaço e cedeu-me o quarto para mim e eu fiquei lá. Estive lá desde os 20 anos e saí com 88”, manifestou.
A par do trabalho que mantinha na barbearia em frente ao hotel das Termas de S. Vicente, Agostinho chegou a trabalhar nas minas de Rio de Frades, para lá de Arouca, na extracção do volfrâmio.
“Estive lá quatro anos. Lá explorávamos o volfrâmio o chamado ‘ouro negro’, mas também o pirita que pesava tanto como o volfrâmio. Na altura, acumulava as duas profissões, trabalhava na mina e, ao domingo, atendia os clientes no meu estabelecimento”, sublinhou.
“Quando iniciei a actividade, as máquinas eram todas manuais. Depois começaram a vir as lâmpadas mais modernas para encaixar na navalha e, agora, nenhum barbeiro usa o assentador para afiar a navalha”
Com uma nostalgia no olhar, semblante marcado e um olhar de conformado, Agostinho Sousa confessou que as barbearias tradicionais, hoje, têm os dias contados.
“Quando iniciei a actividade, as máquinas eram todas manuais. Depois começaram a vir as lâminas mais modernas para encaixar na navalha e, agora, nenhum barbeiro usa o assentador para afiar a navalha”, avançou, salientando que muito do seu espólio acabou por vendê-lo.
Para Agostinho Sousa, a evolução tecnológica associado ao facto dos salões de cabeleireiras terem começado a realizar cortes de cabelo para crianças e até para homens afectou o negócio.
“Os salões de senhora acabaram com as barbearias tradicionais. As cabeleireiras passaram a cortar o cabelo aos homens. Muitas mães começaram a levar os seus filhos às cabeleiras”, assegurou, acrescentando que já os proprietários da melhor barbearia do país, a Barbearia Londres, também vaticinavam o fim das barbearias tradicionais.
“Nas Termas de S. Vicente praticamente já não existem barbearias”, lamentou com um olhar entristecido e recordando que durante muitos anos chegou a cortar o cabelo a muitas senhoras.
“Ia a casa das senhoras que não queriam deslocar-se à minha barbearia”, afiançou, reconhecendo que este era um negócio lucrativo.
“Os filhos do Ramalho Eanes cortaram durante muito tempo o cabelo na minha barbearia”
Ao Verdadeiro Olhar, Agostinho Sousa recordou que pelo seu estabelecimento passaram muitas figuras públicas, os filhos do general Ramalho Eanes, ex-presidente da República, Sá Carneiro, figuras militares, presidentes de câmara entre outras personalidades, como reputados advogados e médicos da praça.
“Os filhos do Ramalho Eanes cortaram durante muito tempo o cabelo na minha barbearia. Vinham sempre acompanhados por uma funcionária da família Eanes que se deslocava ao hotel da Torre, um local frequentado por muitas figuras públicas que vinhas às termas”, expressou, reconhecendo a importância do hotel e das termas que durante muitos anos potenciou a economia das freguesias vizinhas e foi local de referência para muitos portugueses que aí recorriam para fazer os tratamentos.
Entre as muitas figuras que passaram pela sua barbearia, Agostinho Sousa lembrou que o estabelecimento foi durante muitos anos procurados por figuras ligadas ao exército e padres que confiavam-lhe a barba e o cabelo, mas, também, presidentes de câmara.
“Recordo-me do Firmino Miguel, general, uma figura proeminente das Forças Armadas, o Francisco Sá Carneiro que acabou por falecer num acidente de aviação, que também esteve na minha barbearia, o Mota Pinto, do PSD, que esteve, também, lá, em plena campanha eleitoral assim como o Manuelzinho da Carvalha, de Castelo de Paiva, que foi presidente da autarquia”, constatou, recordando-se, também, de outros como Teófilo Seabra, de Sardoura, Castelo de Paiva, o Amorim Crava, um médico de Castelo de Paiva, o coronel Fontes e de vários padres.
“Tinha clientes desde o Algarve, Alentejo, Vila Real, Bragança. Cheguei a cortar cabelo a um advogado, tinha um irmão coronel, era de uma família importante”, garantiu, assegurando que, ainda, hoje, recebe em sua casa clientes do Marco de Canaveses e de outras localidades.
Sobre a sua condição física, Agostinho Sousa garantiu que apesar da disponibilidade já não ser a mesma, mantém o vigor nos braços.
“Os braços já me doem à noite, mas isso não me impede de trabalhar. Maneio bem as mãos. Já tremo um bocadinho e é óbvio que já não trabalho consonante trabalhava. Vou fazendo o que posso, com cuidado, mas sempre com o objectivo de dar o melhor de mim em cada corte que faço e corresponder às exigências e gosto dos clientes”, asseverou, confessando que um dos seus cortes preferidos é o corte francês.
“Tenho um corte preferido, o corte francês, mas faço outros cortes. Há pessoas que ainda usam o corte francês e há o corte à escovinha que dá mais trabalho e exige outra precisão”, declarou, retorquindo que enquanto tiver forças e Deus quiser vai continuar a trabalhar.
Por Miguel Sousa publicado in Verdadeiro Olhar