ALICE Quintela aprendeu a nadar aos 51 anos, aceitando logo depois o desafio de competir, e hoje, três décadas depois, detém 13 recordes nacionais no escalão dos 80 aos 84 anos, em piscina curta e longa.
“Vivo uma paixão daquelas”, disse à agência Lusa a nadadora de Matosinhos que, no Complexo de Piscina de Águas Santas, na Maia, aproveita o facto de ser viúva e “nem ter nada” que a “preocupe” para, dentro de uma piscina, três dias por semana, se envolver com o que mais gosta: a água.
E se a entrada na piscina surgiu um ano depois de ter começado a “fazer ginástica para ficar mais flexível”, procurando “simplificar” os problemas que “o facto de ter uma profissão muito parada” anunciavam, a adoração pela água vem-lhe desde a infância, conta.
Com os olhos arregalados, Alice Quintela, de 80 anos, relatou ter “sido habituada a ir para a praia cedo e a banhar-se logo às oito horas da manhã”.
A história que se segue já tem 30 anos, mas a nadadora do Clube de Natação da Maia recorda cada passo do que foi o processo “mais difícil” na vontade de abrir horizontes na piscina: federar-se.
“A minha médica de família recusou-se a preencher o impresso” que atestava a sua condição física para praticar desporto, lembrou Alice Quintela que, sem tempo para baixar os braços, entrou num contrarrelógio para conseguir a tempo a declaração médica para juntar ao processo a entregar na Federação Portuguesa de Natação.
Entre sorrisos, contou ter recorrido ao antigo médico de família a quem, “depois de muita conversa”, convenceu a passar os exames, acabando por ser aquele, “a dois dias do prazo para a inscrição encerrar, a assinar o impresso”.
“Ele ainda me alertou da morte recente de um futebolista de 23 anos, mas eu argumentei que a minha prova é de um minuto e tal enquanto o futebolista joga uma hora e meia”, recordou a recordista do escalão L, destinada a atletas de ambos os sexos entre os 80 e 84 anos.
Competindo nos estilos livre e costas, nas distâncias de 50 e 100 metros, tendo também já nadado os 200 metros livres, ao todo, contou à Lusa, tem “oito recordes nacionais em piscina curta e cinco em piscina longa”.
Alice Quintela, que “durante o dia não para”, assume que as 24 horas “não chegam para fazer tudo o que quer”.
E já com uma experiência de 30 anos a competir, Alice Quintela aconselha a sua geração e as anteriores a “mudar a sua mentalidade”, argumentando que “muitas das pessoas não sabem o que é a natação”.
“Não há nada que substitua a natação. É preciso gostar, ser assídua e persistente para aprender”, disse de uma “força de vontade” que deve superar o “pensar nos cabelos e na pintura [maquilhagem]”.
Muito mais jovem, Ana Oliveira, a treinadora, garantiu à Lusa que aprender a nadar na terceira idade não é problema: “isto é uma realidade, de mito não tem nada. Em qualquer altura da vida podemos aprender a nadar como é o caso da Dona Alice, que aprendeu aos 50 anos”.
Da sua aluna com idade mais avançada elogiou “um espírito muito aberto”, o facto de que “nada a impede de chegar aos objetivos que define e estipula”, considerando ser essa é a “grande vantagem”: “quer e faz”.
Reconhecendo ser o seu exemplo uma “gota de água numa piscina” se comparada com o panorama nacional naquela faixa etária, Ana Oliveira considerou-o “reflexo de uma cultura desportiva que em Portugal ainda falta um bocadinho ganhar”.
A caminho dos 81 anos, Alice Quintela, segundo a treinadora que a ensina no Complexo de Piscinas de Águas Santas, “tem potencial para melhorar os seus tempos”, bastando, para tal, aprimorar a “nível técnico”.
“Espero tê-la muitos mais anos como minha atleta”, disse, reconhecendo um aliado na “vontade” da octogenária de alimentar a sua atração infantil pela água.
Publicado in Observador