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António Sousa: o pastor urbano

António Sousa: o pastor urbano

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NA VL9, em Gaia, os carros correm apressadamente, ao mesmo tempo que, nos seus taludes, mais de uma dezena de ovelhas e cabras se demoram, por duas ou três horas, a pastar junto a António, o pastor urbano.

António Sousa tem 63 anos, 10 ovelhas e três cabras que diariamente leva a pastar junto da VL9, mesmo ao lado da estrada para onde, garante, “nunca nenhuma fugiu” e de onde os condutores, curiosos, olham e apitam.

António é de Carlão, freguesia de Alijó no distrito de Vila Real, terra que o viu, aos seis anos, subir ao monte descalço com o pai que lhe ensinou a arte de pastorear. Lá foi pastor até aos 21 anos, idade com que teve de “ir para a tropa”, a que se seguiram sete meses em Angola, na guerra do Ultramar.

Voltou a Portugal e em 1974 foi trabalhar para o Hospital de Vila Nova de Gaia, onde durante 32 anos fez “serviços gerais” e até colaborou nas “urgências” depois de “tirar um curso”.

Há oito anos reformou-se e foi nessa altura que, para se “entreter”, voltou a comprar ovelhas e a subir ao monte, também perto do rio Douro, mas agora mais a ocidente, em Gaia.

Hoje tem 13 animais que leva a pastar todos os dias para uma das novas vias de ligação de Gaia ao Porto, com automóveis a passar a grande velocidade nas retas da Avenida D. João II, e, conta, é o único a fazê-lo.

Trocou as serras de Alijó pelos montes criados pelo homem na freguesia de Oliveira do Douro, em Gaia, declives gerados pelas escavadoras que ali rasgaram uma estrada, ladeada de erva verde e “tenrinha” para as novas ovelhas e cabras.

António pastoreia “em vez de estar no café o dia todo ou em casa a dormir” – ir para um centro de dia “nem pensar” – e, garante, “não dá lucro nenhum”, embora “outro dia” tenha vendido um carneiro por 100 euros.

Todos os dias levanta-se pelas 07:00, vai trabalhar até à “hortinha” que também tem e, depois do almoço, pelas 14:00, chega a vez das ovelhas e cabras que o aguardam e seguem durante “duas a três horas”, monte acima, por vezes até à Serra do Pilar.

Se se afastam mais um pouco do seu olhar, logo puxa do pão que traz num saco às costas e chama a “Pequenina”, a ovelha que “quando vem, vêm logo todas atrás”, desde a mais velha de quatro anos, à mais nova que “nasceu em fevereiro”.

Em oito anos, só uma vez chamaram a GNR para que ele retirasse as ovelhas de um terreno junto da Real Companhia Velha; dias mais tarde acabariam por lhe pedir “desculpa”, recorda.

Também nos oito anos desde que voltou a ser pastor, o número máximo de ovelhas que teve foi 25. Morreram todas depois de beberem água “com químicos” que corria a céu aberto.

“É preciso ter amor”, contou o único pastor urbano de Gaia.

Publicado in Diário de Notícias

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