BOTÃO. Botão de rosa, botão de flor, amor, amo.ro.sa flor.
Botão de co.ra.ção, cor[o]ação, botão de pressão, sincronização, amortização. Imprecação. Incisão. Corporização do valor aórtico e sistémico do botão. Água. Fogo. Botão de chão. Aéreo botão.
Botão gustativo, papilar, degustativo, de valor relativo, singular repetitivo, de sen.ti.do conotativo e denotativo, e por vezes proibitivo.
Botão-de-ouro, botão-de-ferro, botão-de-prata, botão da fruta da árvore da vi.da – de dia está bem; à noite mata – botão de camisa, botão de vestido-veludo-negro, alvinegro, madrepérola, esférula de olhos-botões-aos-molhos.
Botão de campainha, cam.pa.i.nha minha, fontainha de revelações e de segredos. Convivência. Advertência. Companhia. Solidões. Abandonos. Degredos.
O som, ao premir o botão: sonido, retinir, ruido. Mais aquelas que sofrem de rouquidão, vítimas da humana sofreguidão. E as que não funcionam mais, as tais: aortas vertidas de sangue, vidas vividas, fio eléctrico partido, ressequido, exangue.
Porque – diz Le Corbusier:
“A morada é um continente que responde a certas condições e estabelece relações úteis entre o meio cósmico e os fenómenos biológicos humanos. Um homem (ou uma família) nela viverá dormindo, andando ouvindo, vendo e pensando”.
Orlas de cidades, florestas de casas, prédios, instituições, construções. Campainhas: o som a suspender-se no ar, como uma pergunta. Questões, interrogações:
– está alguém aí? alguém??
– ninguém?
O som vai, caminha, sobe em altura, é breve e perdura, espalha-se no espaço, regaço interior, condução das artérias desse coração-campainha.
Porque – diz Le Corbusier:
“Imóvel ou circulante, a morada tem a necessidade de uma superfície, bem como de uma altura de locais, apropriada aos seus gestos”.
Chegamos. Precisamos. Somos o ser da necessitação. O ser da vil, vã, oca razão. Apertamos. Premimos. Esgotamos a vida tantas vezes em gritos inúteis, tentativas fúteis. E o melhor dela já suprimimos. Maltratamos o som. Não dignificamos a voz.
Porque – diz Ferreira Gullar:
“[…] matéria dura: o ferro, o cimento, a fome da humana arquitectura”.
Onde pusemos o botão do silêncio?
Citações:
“Manière de penser l’urbanisme”, LE CORBUSIER, 1946.
“Lições de Arquitectura”, FERREIRA GULLAR, 1975.
Por Anabela Borges
Do manual do perfeito cavalheiro
Cuidado! deves tocar a campainha tão suavemente como se tocasses o umbigo da dona da casa.
Por Mario Quintana in Caderno H, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 194.