OS meus amigos de infância, resumem-se a meia dúzia. Dessa meia-duzia, destacam-se apenas três:

Não são propriamente de infância, mas de adolescência. Um, que me dava grande prazer, era moço, baixo e folgazão. Amava calcorrear as ruas e ruelas da antiga cidade, em busca de curiosidades, velharias, e casas brasonadas.

Conheci-o quando fazia preparatórios. Fomos colegas de turma. Pertencia à aristocracia, mas nada tinha de velha e empertigada fidalguia. Gostava de prosear sobre famílias de antanho, da história da cidade, e era versado em heráldica.

Éramos íntimos e trocávamos intimas confidências.

Terminado o preparatório, vispou-se…Escreveu-me, ainda, inflamados e sorumbáticos aerogramas, da Guiné.

Tornei-o a descobrir, doente, envelhecido, ligeiramente surdo, casado. Continuava o mesmo rapazinho prestável. Digo: “continuava”, porque faleceu. Ainda rezo, pungidamente, pela alma.

Os outros ou as outras, eram meninas:

Uma, era criança. Afeiçoou-se a mim, e eu a ela. Cresceu. Tornou-se formosa menina-moça… A fértil imaginação, refervia. Iludi-me. Queria divertir-se, e pela certa chasqueava a minha ingénua e platónica afeição.

A última, era mulher feita, graciosa, de faces rosadinhas, ameninadas, corpo de gazela e inteligência arguta.

Certa tarde ensolarada, saímos juntos. Acanhado, não lhe soube revelar o meu casto e pudico sentimento.

A mocinha arrufou, receando ficar para titia. Enfastiou-se.

A amizade não finara; ainda bordou com esmero, delicada toalhinha de linho, a algodão azul, cor romântica e significativa de miosóte, quando a amizade já esfriava…

Já que estou em época de confidências, tudo devo revelar, para que nada fique encoberto.

A minha adolescência, e a própria infância, ficaram enrodilhadas em manto negro, negríssimo, que estigmatizou- me para sempre.

Deixou-me: receoso, triste, medroso. Certo é, que houve centelhas inefáveis. Períodos, que fugazmente olvidaram as amarguras do infortúnio… Mas, extinguiam-se, como estrelinhas doiradas, que se desprendem, esvoaçando, enxameadas, do braseiro da vida.

A verdadeira felicidade – se há plena felicidade, – encontrei-a na velhice; no prelúdio do acaso, quando os derradeiros raios ensanguentados do crepúsculo, já desfalecem, na espessa cerração da noite negra, que sinto ou pressinto avizinharem-se, sem o desejar.

Dou graças a Deus, pelas bênçãos recebidas, assim como Sua divina proteção. Talvez imerecida…

Todos tentamos esconder, e eu não sou diferente, – as horas sombrias, que enlutaram a existência, receando, que os mundanos, se divirtam com nossas malogradas fraquezas.

Mas, não consigo silenciar, todas os segredos – pelo menos, os mais fúteis, – por isso, confidencio… em papel….

Recordar é viver; mas recordar, o passado, que passou, por vezes, faz-nos chorar. Chorar baixinho…para que não nos ouçam e não nos vejam…

Humberto Pinho da Silva, nasceu em Vila Nova de Gaia em 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano, no Porto. Publicou o primeiro conto no: Mensageiro de Bragança, apadrinhado pelo Prof. Doutor Francisco Videira Pires. Frequentou o ICP. Foi redactor , durante anos, do Notícias de Gaia, onde realizou cerca de duzentas entrevistas a figuras públicas, que nasceram ou moraram em Gaia. Escreve e mantém uma coluna, em vários jornais publicados  em: Portugal, Brasil, Canadá, USA, e colabora em sites, espalhados pela: Bélgica, Brasil, Inglaterra, Suíça, Argentina, Luxemburgo, etc. É filho do jornalista: Pinho das Silva. Recebeu o Diploma de Reconhecimento Popular, na Cidade de Piquete, (Brasil) em 1994, e foi entrevistado pela jornalista Renata Cortes, do matutino brasileiro: “JJ Regional” de Jundiai. É coordenador do blogue colectivo, fechado: Luso-brasileiro, que sai todas as sextas feiras, desde 2009.

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