Versos do universo do livro Decantações, Edição Húmus, dezembro de 2020
Adelino Ínsua nasceu no Porto, em 1956. Vive em Guimarães.
As montanhas são as ondas mais lentas que conheço.
O voo das andorinhas era desenhado pelos circunstanciais insectos, inumeráveis horizontes.
Ouvia, apenas o estalar das bagas de giesta, na canícula da tarde.
A fonte conhecerá os amigos pela sede.
Na casa da aldeia, em vez de papel de parede, um padrão de centopeias.
Comi muito bicho-da-fruta roubada à noite.
Andorinhas, são elas o vento que amo.
Querido aluvião, que é a chuva senão folhinhas e florinhas do mar.
Meu avô abria a levada e eu sentia o beijo da água.
Mais tarde seria o título de meu primeiro livro:
“A primeira viagem dos rios!. Brinquei com um rio,
que brinquedo desmesurado e tão apropriado!
O rio tinha alguns pequenos açudes que eram afinal murmúrios.
Há flores que pedem que te curves.
A papoila só aguenta o toque do teu olhar.
Oiço melhor as palavras sussurradas; vêm da pele dos gestos.
E a poesia tem uma missão nobre, mas quase impossível: trazer o que se vê nas ruínas desertas para os lugares habitados.
Um dia vi um poeta subir a uma árvore e aí escrever o poema, não estava a mais na paisagem.
Passou o comboio de mercadorias e o melro retoma o seu canto.
Tomava para mim as tardes silenciosas dos sábados,
o meu verdadeiro nome era aquele tom único,
com que minha mãe me chama.
No centro do teatro de Epidauro, não pude deixar de ouvir
a tragédia das cigarras.
A figueira de Micenas, este ano, não tem figos.
Apenas me concedeu a sombra.
Em Euskadi, correm em vales apertados, rios de fábricas.