MARIA Fernanda Nunes Ribeiro nasceu na Póvoa de Varzim em 1947. Na festa de aniversário dos seus 40 anos conheceu Mário Oliveira, o homem da sua vida. Sem saber nada do amor conjugal, fez o 5º ano (actual 9º ano) no Liceu e foi trabalhar para a Santa Casa da Misericórdia do Porto, onde chegou a chefe de contabilidade. Depois de 32 anos de serviço aposentou-se. Pelo meio integrou, durante 22 anos, a equipa do Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
“Trabalhei na repartição, na Rua das Flores, onde estavam centralizados os serviços administrativos, lares, os colégios, as quintas, marcenarias, carpintarias, matadouros, padarias, direcção de obras, valências para dar manutenção a prédios alugados, lares e hospitais como o de Santo António ou o Conde Ferreira. Quando entrei eram geridos pela Santa Casa da Misericórdia do Porto. Agora estão alugados ao Estado. Como chefe de contabilidade, tinha a responsabilidade de concluir os inventários de tudo, até ao dia 31 de Março de cada ano”.
Fernanda Ribeiro saia do seu trabalho às cinco da tarde de sexta-feira e entrava às oito horas na filial no Departamento de Jogos da Santa Casa, na Rua da Restauração. “Era o horário do fecho dos registos do totobola. Fui das primeiras mulheres a ir trabalhar para aquele departamento. Conferíamos todos os boletins registados na zona norte do país. Tudo à mão, chave a chave, para detectar erros, um trabalho muito minucioso e de grande responsabilidade. O mesmo aconteceu depois com o totoloto que era sorteado ao sábado. Éramos 50 pessoas a conferir os boletins. Primeiro trabalhávamos às três ou quatro da madrugada.
Depois começamos a ir trabalhar ao sábado de manhã até às duas ou três da tarde. Os boletins conferidos seguiam para Lisboa onde se efectuava o sorteio. Na capital havia uma outra equipa para conferir os prémios. Houve algumas tentativas frustradas para ludibriar a Santa Casa, mas os falsos boletins e as más intenções acabavam na polícia. Havia muito dinheiro em prémios que não era reclamado dentro dos prazos e revertia para a Santa Casa da Misericórdia”. E acrescenta: “fui mais feliz a trabalhar no Totobola e Totoloto do que na Contabilidade. A conferir boletins trabalhavam engenheiros, médicos, professores e funcionários de seguradoras. Era um serviço bem remunerado. No fundo, lutei por uma reforma que me garantisse um futuro melhor e agora levo com os cortes imorais”.
Entre outros amores, Fernanda Ribeiro tem os cães: “este cão estava abandonado e veio, com seis meses, para a minha. Agora está com 12 anos. Tenho também uma cadela com 16 anos. Faço-lhes e fazem-me companhia. Falam uma língua que entendo. Gostar de animais é saber conviver com as pessoas. Hoje em dia há uma desumanidade incrível. O ser humano não conseguiu evoluir. Devia haver mais protecção e respeito pelos animais. Lamento também a falta de civismo das pessoas que saem à rua com os seus animais. Nunca vi uma cidade com ruas e jardins tão sujos. A câmara devia tomar medidas para corrigir esta gente porca. Eu compro os sacos para a limpeza dos dejectos dos meus cães”.
Mesmo com uma vida atarefada sobrou sempre um tempo para a criatividade, revela Fernanda Ribeiro: “quando andava no Liceu tínhamos aulas de Lavores (trabalhos manuais) e aprendi a bordar ponto cruz e outros malabarismos de agulha. Bordei muitas camisolas poveiras, na minha adolescência. Com o tempo fui aperfeiçoando e comecei a bordar paisagens e outros motivos. Fiz imensos quadros, ofereci muitos e vendi alguns.
Da minha infância recordo as brincadeiras no Museu. Eu e os meus três irmãos saltávamos o muro do quintal e íamos brincar com os filhos do Quilores e do Joaquim dos bois, que viviam no Museu. Brincávamos às escondidas naquelas salas, debaixo da mesa da ceia de Jesus Cristo, atrás do homem da palha. Os objectos do Museu eram muitas vezes os nossos brinquedos. Tive uma infância muito feliz”.
Publicado in A VOZ DA PÓVOA