JOSÉ Formoso Novo nasceu na Póvoa de Varzim, em 1934. Fez a 4ª classe, casou aos 23 anos e é pai de sete filhos. O seu primeiro emprego foi na carpintaria de um tio: “trabalhei quinze dias. Estava a colocar umas empanadas numa porta, como não ficou direito, deu-me um cachaço. Nunca mais lá apareci. Aos 12 anos fui fazer cordas à mão para um armazém que o Francisco Quintas tinha na Poça da Barca, perto da Lapa. Um ano depois passei para a Fábrica do Quintas na rua Elias Garcia”.
O sisal e o algodão eram as principais matérias-primas das cordas feitas de forma artesanal, como explica Formoso Novo: “tudo era feito com a força braçal. Havia as rodas, o trabuco, a talha, as alças e as cruzetas, as muretas e os ferretes que ajudavam a torcer a corda. Os trabalhadores sedavam o sisal até ficar bem fiadinho. Uma roda de cada lado, uma para puxar linhas de algodão para a pesca do bacalhau e outra para fazer as cordas de sisal. Levava um bocadinho de óleo nas puas. Três homens de pé votavam o padelo de sisal à cinta e toca a puxar linha e a fazer fio. Os homens a sedar e a roda a virar. Depois, cada um tirava o seu fio e amarrava numa estaca, ao fundo do armazém, e voltavam para a roda a fiar. Determinava-se a quantidade de fios, fazia-se três mais grossos e torcia-se a corda final. Depois colocava-se as cordas num carro de mão e levava-se à Estação do comboio. O Francisco Quintas também fiava e fazia cordas com os funcionários”.
O cordoeiro recorda que, na Poça da Barca, também se fazia linhas de algodão para a pesca artesanal: “ainda não se pescava com fios de seda. Quando o algodão ficava em cordão torcia-se em três e fazia-se a linha. Também se entralhava algodão para fazer redes. O cabo que segurava as redes era feito de linho e levava umas rodas de cortiça para boiar”.
Na fábrica nova, os processos de fabrico industrializaram-se, como explica: “havia uma secção muito grande onde foi montada uma máquina de duas rodas, uma para puxar linhas para o bacalhau e outra de puxar linho. Os cabos de linho, para os pescadores, eram amarrados em molhos e transportados numa carrela para as casas dos mestres de barcos que havia ao norte da Póvoa”.
A vida de Formoso Novo foi feita de muito trabalho entre cabos e cordas: “trabalhei 52 anos, no Quintas, sempre por turnos. Vi aquela fábrica passar das mãos para as máquinas e do sisal até ao alumínio. O Aparício Quintas queria que eu ficasse mais uns aninhos, mas reformei-me. Agora reconheço que o descanso não é sempre bom. Ficamos sem nada para fazer e cheios de saudade do que fazíamos”.
A meninice de Formoso Novo tem o mar como cenário: “nasci na rua 31 de Janeiro, quando os barcos eram todos à vela. Com o vento, o mar enchia-se de catraias e lanchas. Nas tempestades, as mulheres juntavam-se aos gritos a ver os barcos entrar na praia. Assisti a alguns naufrágios mas também tive muitas alegrias como as brincadeiras. Gostava de jogar ao pião, dar nicas até rachar. Também íamos pelo fieiro fora e por onde houvesse roupa a secar, para arrancar as pinchas e os botões para jogar. As pinchas eram melhores para bater contra a parede e acertar na covinha. Jogávamos aos cabacinhos. Para o cabacinho pesar botava uma casquinha de laranja. Lembro-me de brincar com um aro de ferro ou de bicicleta, a empurrar com um pau ou arama. Tomávamos banho na praia do peixe com a pilota à mostra. Não havia toalha, estirávamos as tripas na areia escaldante e secávamos rapidamente. Paradoxalmente no tempo da servidão havia uma outra alegre liberdade”.
Publicado in A VOZ DA PÓVOA