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João Feiteira: carpinteiro naval

João Feiteira: carpinteiro naval

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NASCIDO na Póvoa de Varzim em 1925, João Feiteira dedicou uma vida à construção naval. Feita a 4ª classe, João começou a trabalhar no estaleiro de Joaquim Braz, na Rua da Caverneira: “foi ele que me ensinou todas as artes da construção naval e me fez operário de primeira. Elogiou-me sempre e disse-me que podia trabalhar por minha conta”.

Uma realidade que se concretizou depois de regressar de Moçambique, para onde embarcou em 1945: “ainda trabalhei um mês em Aver-o-Mar, junto ao rio Esteiro, nos estaleiros do Manuel Chiva. Depois o meu pai enviou uma carta de chamada. O Salazar só nos deixava ir para as colónias dessa forma”. E acrescenta: “tinha 18 anos quando cheguei a Lourenço Marques, actual Maputo. Comecei em pequenos estaleiros, onde se construíam barcos com formas que não me eram desconhecidas. Depois fiz provas para carpinteiro naval da Marinha de Guerra Portuguesa. Trabalhei mais de 30 anos, a reparar ou a construir barcos”.

A experiência foi adquirida no tempo em que a pesca era feita por barcos à vela: “aprendi a trabalhar nas lanchas, que herdavam o nome a partir dos 32 palmos de comprimento (um palmo 23 centímetros). Também ajudei a fazer muitas Catraias que recebiam o baptismo do peixe que pescavam, sardinheiros, fanequeiros ou rasqueiros, que pescavam rasca e raia”. João Feiteira recorda um momento em que teve que pôr à prova os ensinamentos do seu patrão: “a lancha São José, do mestre Chavão, ao varar partiu um bocado da quilha. O patrão do estaleiro deu-me ordens para fazer a reparação. O Chavão não gostou de ver um rapaz a fazer o serviço e mandou-me embora. Acontece que o Joaquim Braz fez finca-pé com o mestre e não deixou que outro fizesse o serviço e acabei por fazer eu a reparação. A partir daí o Chavão nunca quis mais ninguém a reparar a lancha que não fosse eu”.

O carpinteiro naval tem memória de um tempo em que alguns mestres queriam ver os seus barcos crescer, e encomendavam operações muito delicadas: “o tio António Preu, pai do Agonia Areias mestre da Fé em Deus, tinha uma Catraia muito curta para a boca que apresentava (boca – largura) e pediu para torná-la mais comprida. Aprazou-se o trabalho no estaleiro, cortamos ao meio pela secção transversal e puxamos o tamanho, mais um metro e vinte de comprimento. Ganhou mais barco e mais segurança. Quando fui para áfrica já havia algumas motoras, (barcos a motor). Começou aí a morte lenta das lanchas dos poveiros”.

João Feiteira regressou à Póvoa com a descolonização, em 1976. “O Silva Pereira foi quem me deu guarida no Clube Naval, onde continuei a minha actividade de construtor naval. Uns tempos depois, com um companheiro compramos um estaleiro em Vila do Conde e criamos o Postiga & Feiteira”.

Entre centenas de embarcações construídas ao longo de duas décadas, João Feiteira recorda a réplica da Lancha Poveira do Alto “Fé em Deus”, decorria o ano de 1991. “Quando o Manuel Lopes falou comigo, disse-lhe que tinha a Lancha Poveira na cabeça. Não havia um projecto mas confiava na minha memória. As lanchas eram construídas em pinho bravo.

Como a roda de proa fazia curva, procurava-se na bouça um pinheiro torto. Só a quilha é que era feita de sobreiro, porque é uma madeira que em fricção com os paus de varar se torna mais polida e escorregadia. As lanchas eram varadas para a praia do peixe, no tempo do defeso, até que o inverno fizesse uma pausa. A Lancha Poveira tinha umas finuras muito delicadas para navegar bem, com velocidade e em segurança. Era essa a vontade dos mestres. Penso que a Fé em Deus nasceu com esses critérios. O trabalho de execução da lancha foi quase todo feito pelo António Ferreira, um excelente carpinteiro naval”. E conclui: “senti uma grande emoção no bota-abaixo. Mas os velhos pescadores, esses, ficaram com o mar nos olhos e o coração fora do peito”. Talvez porque a lancha dos poveiros, ao sair a barra, trouxesse da infância dos homens, os barquinhos de folheta para aprender o mar.

Publicado in A VOZ DA PÓVOA

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