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Jorge Sousa Braga: “Ainda me vejo como um pequeno poeta da província”

Jorge Sousa Braga: “Ainda me vejo como um pequeno poeta da província”

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Por Sérgio Almeida
in Jornal de Notícias de 07 Março 2022

Galardoado com o Prémio Literário da Fundação Inês de Castro pelo livro “Matéria escura e outros poemas”, Jorge Sousa Braga rejeita o epíteto de autor consagrado. “Essa palavra faz-me comichão”, diz, em entrevista ao “Jornal de Notícias”.

Publicado há dois anos, “Matéria escura e outros poemas” continua a somar prémios. Depois do galardão atribuído pela SPA no ano passado, agora foi a vez de a Fundação Inês de Castro premiar o mais recente livro de Jorge Sousa Braga, destacando “o espanto e o alarme” que o atravessam. Para o poeta e médico natural de Cervães, no distrito de Braga, mas a residir desde a juventude no Porto, o reconhecimento não é suficiente para deixar de colocar em causa os seus próprios limites, de que diz ter plena consciência

Este é o segundo prémio que recebe no espaço de um ano. Acha que está a entrar na fase da consagração?
Essa palavra faz-me comichão.

É algo a que jamais se habitua?
Temos de agradecer os prémios, mas não podemos ignorar o valor que temos. Falando em termos poéticos, relativizo o meu valor.

Existe um lado pernicioso nos prémios? Há quem diga que podem ensimesmar o autor:
Já conheci quem tivesse alterado a sua postura. Não faz sentido.

A ironia que utiliza nos seus poemas é o melhor atributo para relativizar os prémios?
Sim, mas não só. Tenho a consciência perfeita dos limites que escrevo. Ainda me vejo como um pequeno poeta da província.

Isso é algo que costuma repetir para não se deixar deslumbrar?
A esse nível, nunca deixei de sentir os pés na terra. Os prémios têm um lado interessante, na divulgação da poesia. O livro saiu em março de 2020, no início da pandemia, e, como tal, não houve divulgação.

O Cosmos é o eixo central de “Matéria escura e outros poemas”. Como nasceu a vontade de torná-lo objeto poético?
Sou um apaixonado pela astrofísica. Li imenso sobre este tema na preparação do livro. É curioso porque os divulgadores são, na sua maioria, autênticos poetas. Para se consguirem explicar de uma forma mais simples, recorrem à poesia.

Não concorda com a ideia feita de que a poesia e a ciência estão nos antípodas?
De maneira nenhuma. Todas as áreas interpenetram-se. Li algumas antologias de poesia sobre ciência e nota-se bem isso. Há poemas fabulosos sobre a astrofísica.

Nos seus passeios imaginários pela Via Láctea que sentimentos o assaltam?
Sinto sempre surpresa e fascínio por aquilo que temos sobre nós e nos ultrapassa totalmente.

É reconfortante pensar que os enxames de galáxias também podem produzir mel, como escreve num dos poemas do livro?
Faz-me impressão pensar que o universo são apenas galáxias, planetas e estrelas. É redutor que seja assim. Espero que haja mais.

A poesia e a Física são importantes para recentrar o Homem no universe?
Completamente. É importante termos noção da nossa insignificância no meio disto tudo. Somos pequenas fagulhas.

Que pontos de contacto encontra entre o poeta e o cientista?
O cientista é mais metódico e incisivo. Os dados com que trabalha têm de bater certo. Pode desenvolver teorias, mas tem de prová-las. Nós, poetas, não temos de provas nada. Podemos baralhar os dados todos e interpretá-los das maneiras mais diversas.

Tal como o título do seu livro, um poema é também uma matéria escura, proveniente de uma zona não localizável?
Ainda desconhecemos as nossas capacidades. Há imensa matéria cinzenta que não sabemos para que serve.

Para si, um poema ainda conserva a aura de mistério?
Como trabalho diariamente como médico, só publico de longe a longe. No dia a dia não tenho tempo para me sentar a escrever.

Não vai ao seu encontro?
Quando os poemas têm de cair, caem. Às vezes demoram anos…

Não adianta ir atrás do poema?
Não, não. Vou tomando uma nota ou outra, mas prefiro que caiam por si. Na maioria dos poemas de que gosto nota-se que caíram sabe-se lá de onde, embora possam ter sido trabalhados depois.

Olha para os seus primeiros poemas com o mesmo sentimento de pertneça dos atuais?
Sim. Nunca voltei para trás no sentido de tentar melhorar uma coisa ou outra. A primeira vez que publiquei um poema foi no “Jornal de Notícias”.

Que idade tinha?
Uns 14 ou 15 anos. Já não sei ao certo os poemas que saíram, mas lembro-me bem de o responsável da página, o Teixeira Neves, falar-me da importância de conhecer grandes poetas como Rimbaud ou Rilke. Foi a primeira vez que ouvi falar neles.

Tem-se dedicado cada vez mais à tradução. Traduzir, sobretudo para quem é um poeta conhecido, é um ato de humildade?
De humildade e de aprendizagem. A melhor forma de conhecer um poeta é traduzi-lo. Apreendemos a tática e a estratégia toda que desenvolvem para escrever um poema. Notei isso em relação ao Rilke. Apesar de não falar alemão, consegui, a partir das traduções em inglês, apanhar-lhe o jeito.

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