JOSÉ Inácio Couto, mais conhecido por “Sr. Pita”, é dos poucos comerciantes que vende tamancos e chancas à moda de Penafiel.
A vontade de reavivar uma tradição ancestral, que herdou do pai, faz com que continue a preservar esta actividade e disponha de um pequeno estabelecimento, na Rua do Paço, onde continua a receber clientes e amigos que por ali passam.
É neste espaço, que em tempos foi uma referência na cidade, que José Inácio Couto passa grande parte do seu tempo e partilha histórias de uma arte que teve o seu apogeu mas que hoje está em vias de desaparecer.
Aprendeu com o pai, irmão e cunhado
Em Penafiel, José Inácio Couto é conhecido por ser o último artesão de tamancos e chancas.
Ao Verdadeiro Olhar, adiantou que herdou do pai a arte de fazer tamancos e chancas, tendo-se instalado mais tarde por conta própria. “Inicialmente trabalhei com o meu pai e o meu irmão, mas este acabou por enveredar por uma outra profissão”, disse, acrescentando ter aprendido a arte também com o seu cunhado Alberto.
“Nas férias da escola, o meu pai mandava-me para casa do meu cunhado aprender a arte de sapateiro, mas como ele tinha, também, encomendas para fazer chancas aprendi muito com ele”, frisou, confessando que, depois de ter vindo da tropa e da Guerra Colonial, assumiu o negócio em 1979.
“Chancas à moda de Penafiel, um produto com características únicas”
A este propósito recordou que este produto era um artefacto único, com características próprias. Além dos tamancos, também, conhecidos por socos rebelos, a sua loja era, e é ainda hoje, conhecida por comercializar a dita chanca preta elástica, modelo Zé do Telhado e a chanca natural.
Quanto ao método de fabrico, José Inácio Couto argumentou que depois corte e da escolha da pele é preciso coser, alinhavar e acabar o produto. O artesão revelou, ainda, que as chancas eram feitas com pau de amieiro e soladas. O fabrico era demorado e poderia levar várias horas: as chancas pretas entre duas a três horas, os tamancos três horas e a chanca natural aproximadamente meia hora.
José Inácio Couto destacou que tudo era minuciosamente preparado, sendo necessário proceder à secagem do pau que provinha maioritariamente de Bustelo.
Este produto era usado maioritariamente pelos comerciantes de gado, mas tinha clientes de Viana, Póvoa do Varzim, Bragança e até Lamego, contou, constituindo o S. Martinho um ponto de venda por excelência. “Tínhamos o produto exposto todo o ano, mas o S. Martinho era uma feira muito procurada e um ponto de venda por excelência deste tipo de artigos”, asseverou, recordando que quando era mais novo dormia numa cama e, por cima da sua cabeça, penduradas no tecto, num barrote, pairavam inúmeras chancas que o seu pai tinha encomendado para a feira de S. Martinho.
“Estávamos a dormir e olhávamos para cima a ver se elas caiam nas nossas cabeças tantas eram as chancas”, afirmou, constando que hoje, apesar dos tamancos continuarem a ter um público-alvo fiel as encomendas têm vindo a diminuir.
A este propósito, José Inácio Couto realçou que o tempo seco que se tem feito sentir nos últimos meses, associado à ausência de precipitação não são um bom indicador para o negócio. “Além do mais estamos a falar de um produto com uma durabilidade acima da média, que se for devidamente conservado pode durar vários anos”, assumiu.
Uma arte em vias de se extinguir
Quanto ao futuro da arte, José Inácio Couto revelou, que dos seus 10 irmãos, nenhum quis seguir o “mister”. “Éramos 13 irmãos, morreram três e actualmente somos 10, nove raparigas e quatro rapazes, mas nenhum quis seguir a arte”, assinalou, recordando que a falta de sapateiros, o desuso, associado às novas tendências no mercado do calçado confinaram este tipo de produtos a um público-alvo cada vez mais específico.
Ao nosso jornal, o artesão atestou, também, que recentemente teve uma proposta de um empresário chinês para fazer uma fábrica de tamancos, mas a proposta viria a não ter qualquer viabilidade. “Além de não ter idade, estamos a falar de um artigo caro e a margem de lucro é cada vez mais escassa”, frisou, dizendo que, hoje, deixou de produzir para apenas comprar o produto a um outro artesão.
Falando do futuro, José Inácio Couto reconheceu que a única forma de preservar este ofício passava por construir uma casa-museu, uma espécie entreposto comercial de recordações para vender aos turistas. “Estou a pensar num espaço semelhante aos que existem em Fátima, mas com artigos típicos da cidade e do concelho de Penafiel, como as albardas e outros produtos característicos da região”, anuiu.
O artesão declarou, também, que chegou, inclusive, a dar formação mas não encontrou feedback e disponibilidade entre os jovens para aprender a profissão. “Cheguei a fazer formação profissional, numa parceria com o Centro de Emprego de Penafiel, mas não apareceu ninguém. É uma profissão chata. Eu também era muito jovem quando aprendi esta arte ”, anunciou com tristeza, assumindo, no entanto, querer manter viva esta tradição familiar.
Um par de socos rebelo custa na ordem dos 17,50 euros, umas chancas de elástico cerca dos 18,50 euros e uma chanca natural à volta de 15 euros.
Por Miguel Sousa publicado in Verdadeiro Olhar.