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José Nuno Silva (1964)

José Nuno Silva (1964)

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DURANTE 18 anos José Nuno Silva foi capelão do Hospital de S. João. Conviveu todos os dias com sofrimento e morte, mas na hora da saída diz que foi feliz.

Até à última quarta-feira, durante 18 anos, o padre José Nuno Silva foi o capelão do Hospital de São João, no Porto. Por ali passam diariamente 20 mil pessoas, o que, do ponto de vista pastoral, é muito maior e mais desafiante do que qualquer grande paróquia. Ali lida-se diariamente com sofrimento e morte. E só nos hospitais é que há batizados “de emergência”, um eufemismo para uma morte iminente.

Ao longo destas quase duas décadas, muitas vezes o padre Nuno foi confrontado com as suas limitações e ajoelhou-se nos bancos da capela e chorou. “O único milagre que me é possível é o milagre da presença e de não desistir das pessoas”, explica. Mas, ao longo deste tempo, também teve o “privilégio sublime e trágico de ser interlocutor do outro nos momentos mais difíceis da viagem das suas vidas”.

Para muitos é no hospital “a primeira vez que pensam na vida, porque é a primeira vez que se confrontam com o risco de morrer”. Até porque “o sofrimento é uma brecha pela qual as pessoas acedem à sua própria verdade”, mas as pessoas “precisam de ajudas para aceder à verdade de si próprias. O lugar do capelão é aí, como companheiro de viagem”. Por isso, defende, a presença de assistentes religiosos qualificados na prática de cuidados clínicos “é fundamental para que a identidade do Homem não se perca”.

Isto torna-se ainda mais premente numa altura em que “as pessoas escondem a morte a pensar que se escondem da morte”. Não vão a funerais, não entram em hospitais e uma grande parte dos idosos vive em instituições. “Muitos não são visitados e não são queridos”. Mas num hospital não se pode fugir da morte e isso exige muito de quem lá trabalha.

“Prestar cuidados de saúde é ficar extremamente vulnerável. O outro que está diante de mim expõe-se na sua vulnerabilidade, às claras, escancarada ali, e isso remete-me para a consciência da minha própria vulnerabilidade”, descreve o padre Nuno. E “quem tem de lidar com isto todos os dias sofre com o seu impacto. Ou então cria barreiras defensivas para não se deixar atingir e aí é que acontece a desumanidade”, lamenta.

Segundo o padre, “há uma coisa fundamental que tem de acontecer para a vida de uma pessoa ter sentido: é eu ter alguém por quem esperar e ter alguém à minha espera”. Porém, “a sociedade está a evoluir num sentido em que cada vez haverá mais gente que não tem ninguém à sua espera nem ninguém por quem esperar”. O padre compreende que “para quem vive esta experiência é mais fácil abrir a porta da saída”, mas apela a que se lute “por uma sociedade mais humana em que o nosso compromisso com essas pessoas é: espera por mim que eu estou à tua espera. E garantir isso até ao fim”.

“Batizados de emergência”

“A maior parte dos batizados que fiz na minha vida foi de crianças que morreram”, recorda. E uma grande parte deles “podia tê-los feito com as lágrimas da mãe e do pai. Dava água suficiente”. É a sua memória mais dura, “acompanhar os pais no sofrimento do filho na doença quando se sabe que essa doença vai inexoravelmente terminar na morte das crianças”.

Descobriu que “perder um filho é a pior dor do Mundo. É entrar no coração da dor que é a dor do coração. É o limite da condição humana”. Mas também percebeu “que na generalidade dos batizados, a celebração do sacramento foi um momento de pacificação, de integração, de alguma reconciliação até”.

Padre Nuno vai-se embora sem memórias más. “Mesmo as mais duras são boas”. Por isso, na despedida diz que saudades já as tem, mas que “as saudades são um lugar de encontro”. E deixa um pedido: “diga que fui feliz aqui”. Está dito.

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