A ASSOCIAÇÃO de Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) vai receber o ciclo municipal ‘Um Objeto e seus Discursos por Semana’, este sábado, pelas 18h00. A sessão tem por objetivo redescobrir a vida e obra de Leonor de Almeida, misteriosa poetisa portuense.
Manuela Espírito Santo, diretora da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP), é a anfitriã da sessão que coloca no centro das atenções o mistério que envolve a figura da poetisa Leonor de Almeida (1909-1983). Cláudia Clemente, que tem investigado a vida da escritora nos últimos três anos, e João Gesta, organizador habitual dos ciclos Quintas de Leitura e Café Literário, são os conferencistas convidados do encontro que decorre na AJHLP [Rua de Rodrigues Sampaio, nº 140], este sábado.
O desconhecimento sobre a vida e obra de Leonor de Almeida é generalizado, mesmo entre aqueles que se interessam pela literatura, apesar da grande produção literária da poetisa.
Quem o diz é Manuela Espírito Santo, que salienta ainda a importância de “trazer para a luz do dia” estes nomes “esquecidos”, ou que nunca foram sequer conhecidos por muitos, como é o caso do da escritora, que esteve “entre os grandes nomes da época e colaborou com as grandes revistas do Porto”.
O motivo que origina o mistério que envolve esta figura literária não é conhecido por Manuela Espírito Santo. Acredita que o tempo que passou no estrangeiro pode ser uma das causas.
Para Cláudia Clemente, essa pode ser uma das causas, mas acha que a principal se relaciona com uma vontade da própria escritora. A investigadora acredita que Leonor de Almeida viveu, “de alguma forma, envolta numa bruma que criou”. “É difícil seguir-lhe o rasto, porque ela também não fez muito por isso”, revelou.
Exemplifica com o facto de a poetisa ter participado em antologias como a de Natália Correia e, ao fornecer a biografia, na qual podia incluir o que entendesse, apresentar pouca informação. A juntar a isto, passou algumas temporadas no estrangeiro e, além disso, induziu muitas vezes em erro, ao indicar, por exemplo, “várias datas de nascimento consoante a ocasião. Todas elas falsas. Não há nenhuma que seja verdadeira”, explicou Clemente.
Na origem da pesquisa da investigadora estão duas razões: uma literária e outra prática. A primeira relaciona-se com a importância da obra da autora, que considera não ser reconhecida da forma que merece.
“Não é justo ter sido apagada da história da literatura portuguesa”, afirmou. Cláudia Clemente explicou que a autora fez parte do universo literário nacional e, a uma dada altura, foi retirada. Não encontra o motivo para isso, mas considera que é, não só uma “injustiça”, mas também “empobrecedor para a nossa cultura”, pelo que se deve “reintegrar”.
“Há vários críticos a dizer que ela foi a terceira poetisa portuguesa digna desse nome, já depois da Florbela Espanca”, revelou. A investigadora destacou ainda que lhe parece impossível que “uma pessoa aclamada desta forma”, “por jornais da época e os principais críticos literários”, seja ignorada.
Um caso em que esta situação se verifica, de acordo com Cláudia Clemente, é na obra “História da Literatura Portuguesa”, de António José Saraiva e Óscar Lopes, na qual a poetisa foi omitida.
A importância da poetisa, de acordo com a investigadora, vê-se também na crítica literária “Duas mulheres poetas”, de João Gaspar Simões, que compara o trabalho da escritora portuense com o de Sophia Mello Breyner.
A outra razão que esteve na origem da pesquisa de Cláudia Clemente prende-se com o facto de Leonor de Almeida ter sido esteticista da sua avó. A investigadora recorda que a mãe sempre lhe falou de como esta, além de esteticista, “era uma excelente poetisa”, incluída inclusive na “Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica“, de Natália Correia.
Com a morte da mãe da pesquisadora, em 2016, encontrou na procura de quem foi Leonor de Almeida uma forma de fazer o luto.
Leonor de Almeida colaborou em publicações como a “Revista Bandarra” e “A Serpente”
Desde o início da investigação Cláudia Clemente conseguiu “reunir a obra publicada quase toda, que estava dispersa, encontrar manuscritos, descobrir muitos dados biográficos, que não existiam. Uma data de nascimento, de morte, moradas concretas”, contou ao JPN. Apesar das já consideráveis descobertas, a arquiteta diz que ainda há muito por conhecer.
No momento, a investigadora está a escrever um livro sobre a poetisa, no qual “mistura a busca pessoal” com os dados que vai reunindo, de forma a “construir a personagem Leonor de Almeida”.
João Gesta, muito ligado à poesia em geral, revelou que à hora do convite para participar na sessão de amanhã sobre a escritora portuense, integrava o grupo dos que não sabiam muito sobre Leonor de Almeida, como a maioria das pessoas.
O organizador habitual dos ciclos Quintas de Leitura e Café Literário contou que, no entanto, já se informou acerca da poetisa. Leu os seus livros e tem uma perspetiva “segura” da obra e, sobretudo, da “maneira de estar na poesia, uma maneira muito rara”, informou.
João Gesta destacou, à semelhança de Manuela Espírito Santo e de Cláudia Clemente, que é muito importante falar sobre esta figura da literatura nacional, que colaborou em publicações de prestígio da sua época, como a “Revista Bandarra” e “A Serpente”.
O também autor salientou ainda que a relevância da obra de Leonor da Almeida se relaciona com o facto de referir sempre que “a emancipação da mulher, pela qual lutou, não era uma emancipação, uma libertação feita em relação ao homem. Não era nada contra o homem, mas sim a conquista de um lugar mais intenso e mais digno na aventura humana e, no fundo, na vida”.
A participação na sessão deste sábado decorre mediante aquisição de bilhete (2 euros) online ou nos locais habituais.
Artigo editado por Filipa Silva in JPN