A COMEMORAR 25 anos de carreira, o designer Luís Buchinho fala da difícil mudança para o Porto, aos 16 anos, do desafio que é fazer moda em Portugal e da paixão pela ilustração que, no futuro, se poderá transformar “em algo mais”. As propostas do criador para a próxima estação desfilam este sábado no Portugal Fashion, no Porto
Encontrámo-nos de manhã no hall de um hotel em Paris, a dois passos do Printemps. Na véspera, Luís Buchinho, 46 anos, apresentara as suas propostas para a primavera/verão de 2016 numa sala do Conservatório de Artes e Ofícios transformada em discoteca para recuperar a atmosfera pop dos anos 80. A coleção propõe uma viagem até ao início de tudo, a época em que o designer, então um jovem de 16 anos, deixou Setúbal e foi viver sozinho para o Porto para estudar moda, culpa de uma professora que descobriu nele esse talento. Depois de Paris, apresenta-se este sábado no último dia da 37ª edição do Portugal Fashion, que comemora o 20º aniversário no mesmo ano em que ele celebra as bodas de prata da carreira.
Como é que um rapaz apaixonado pela ilustração e pela banda desenhada vai parar à moda?
Em miúdo estava sempre a desenhar. Consumia BD avidamente e tentava criar as minhas histórias, de uma maneira muito simplista. Mais tarde, comecei a reproduzir e a fazer capas de discos, e a consumir algumas revistas de moda. Fascinavam-me sobretudo os ilustradores de moda da época, então fazia ilustrações a partir de produções de moda que via. Tinha 16 anos, estava a fazer o 11.º ano na área de Artes Visuais e uma professora reparou nessas ilustrações. Achava que eu tinha potencial para moda. Um dia, descobriu um anúncio do CITEX [Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil], hoje chamado Modatex, que abria candidaturas para os cursos de design de moda. Mandei para lá um portfolio e fui aceite. Mudou completamente a minha vida. Passados poucos meses estava a viver no Porto.
Como reagiram os seus pais?
Ficaram com medo, claro, porque achavam que eu ia para a universidade…
O que estava a pensar seguir?
Belas Artes. Talvez pintura ou design, era algo que teria que descobrir nesse ano, faltava-me fazer o 12.º. No Porto ainda tentei conciliar o 12.º com o CITEX, mas este tinha uma carga de 45 horas semanais e era impossível.
Foi sozinho para o Porto?
Fui, aluguei um quarto. Os primeiros tempos foram um choque enorme. O Porto era radicalmente diferente de Setúbal e estranhei muito o clima, as pessoas, o estar longe de casa, da família, dos amigos… Nos primeiros seis meses pensei muitas vezes em desistir. Mas depois comecei a criar laços fortes de amizade com os meus colegas, o curso também se tornou bastante mais interessante, e fui ficando. Achei sempre que um dia ia regressar ao sul, mas, no fundo, talvez soubesse que não era verdade…
Porque não regressou?
Porque já tinha emprego. Ainda me faltavam três, quatro meses para acabar o curso e fui contratado pela Jotex, com a qual colaborei quase 19 anos, entre 1990 e 2009. A indústria têxtil era, e é, muito centralizada no norte, eu também comecei logo com as minhas primeiras coleções em nome próprio, criei ali uma rede de contactos, de fornecedores, de confecionadores, de modelistas, que inviabilizaram um regresso ao sul.
A Jotex acabaria por falir, em 2009.
Tive muita, muita pena, porque era uma fábrica com um potencial enorme para construir malhas como há muito poucas. Mas eu não tinha qualquer participação na empresa. Era meramente contratado para prestar um serviço, de diretor criativo.
O Porto mudou muito nestes 25 anos?
Muito. Odiava o Porto e agora gosto bastante. É uma cidade que sofreu uma transformação brutal nos últimos sete anos. O Porto aborrecia-me muito no final dos anos 90, na entrada do milénio. Era uma cidade triste, completamente fantasma, que estava em decadência acentuada, sobretudo no centro. Mas, de repente, materializou-se no inconsciente coletivo uma vontade de mudar a cidade, muito por iniciativa privada, e isso fez com que o Porto seja o que é hoje. É um Porto muito mais cosmopolita, com muita oferta a todos os níveis. Costumo dizer que até a meteorologia mudou no Porto. É uma cidade com uma luz completamente nova e é uma cidade onde gosto mesmo muito de viver.
Sente-se portuense?
Não, sinto-me português. Não consigo fazer essa distinção.
Mas há pessoas que acham que é portuense.
Sim, sou considerado um criador do Porto. Foi o Porto que me fez crescer, foi lá que nasci enquanto designer.
Ainda se lembra do primeiro desfile?
Lembro, claro. Foi na Moda Lisboa, em abril de 1991. Foi um desfile muito a medo, com muitos nervos, muito esforço para o conseguir, mas foi muito bem aceite. Ganhei logo o Sete de Ouro para Revelação do Ano.
Como é que o financiou?
No ano anterior fiz uma espécie de capital de fundo para me lançar. Trabalhava em full time na Jotex, dava aulas, fazia alguns trabalhos como freelancer, ganhei também um prémio para jovens estilistas numa feira de moda que havia na Exponor, a Portex. Na altura foram 2500 euros, o que era uma verba considerável para poder iniciar uma coleção. Depois nunca mais parei.
Mas esteve perto. Quando chegou ao terceiro desfile, estava sem dinheiro para fazer mais apresentações. Chegou a pensar desistir?
Sim, pensei levemente. Estava numa posição muito delicada. O que acontece com qualquer designer é que há capital para fazer a primeira e geralmente a segunda coleções. Quando se vai para a terceira é quando se está a vender, ou não, a primeira. Se não começa a haver um retorno financeiro, a coisa complica-se. Foi um pouco o que me aconteceu. Tinha só dois pontos de venda da coleção e percebi rapidamente que, ou alargava essa rede, ou então não ia conseguir. Não queria manter uma estrutura que sugasse todo o dinheiro do meu trabalho para realizar coleções para desfile. Ou aquela área da minha vida se tornava imediatamente lucrativa e autossustentável ou não a faria.
Celebra 25 anos de carreira na mesma altura em que o Portugal Fashion comemora o 20º aniversário. Esteve na primeira edição, uma coisa pomposa que meteu até as modelos mais famosas da época, como Claudia Schiffer, Helena Christensen, Carla Bruni ou Elle Macpherson.
Foi um desfile muito mediático, era a época das top models. Usá-las na altura era um luxo. E isso teve muito retorno. Houve muita gente que ainda não conhecia a minha marca, porque ela ainda era recente, tinha quatro anos, e quis comprar a coleção.
Considera-se um resistente?
Sem dúvida. Não era fácil, e continua a não ser, fazer moda em Portugal. O mercado é muito pequeno, não está numa economia propriamente fulgurante. É muito difícil, por exemplo, para um jovem designer colocar o seu trabalho em várias lojas e conseguir crescer.
E poucos conseguem dar o salto para o mercado internacional. O Luís conseguiu, mas só a partir de 2013. Porque demorou tanto?
Não é fácil, há uma profusão absurda de marcas pelo mundo inteiro, nem percebo muito bem porquê. Não é uma área propriamente simples, a nível de gestão ou de produção. Já tinha feito algumas tentativas, mas não foram muito bem sucedidas. Então entreguei essa parte a uma amiga e, com muita persistência, temos conseguido alargar o número de clientes estação após estação.
Está em quantos mercados?
Em doze, salvo erro.
Onde gostava de chegar?
Paris seria importante. Mas Paris é difícil, porque tem poucas lojas multimarca. Tem as lojas dos grandes nomes em todo o lado, tem muitas cadeias, mas lojas com marcas de vários criadores não há muitas. E Paris é uma cidade onde não se vende muito, é mais uma montra. Não é um lugar onde uma marca pouco conhecida possa vingar com facilidade. Esse processo é muito mais fluído na Ásia e na América.
A mulher portuguesa evoluiu muito nestes 25 anos?
A mulher em geral, não só a portuguesa. As cadeias de democratização da moda foram muito importantes, tornaram as pessoas mais flexíveis, mais abertas. As redes sociais também tiveram um papel muito importante no avançar dessa sofisticação, desse conhecimento em relação a moda, bem como a própria televisão, com muitos programas de aconselhamento sobre o corpo e a imagem. Tudo isso fez com que as mulheres olhassem para si de uma forma completamente diferente e se valorizassem mais.
Porque é que só cria para mulher?
Para mim sempre foi um ato muito natural desenhar para mulher. Quando faço ilustração, por exemplo, nunca desenho homens. Mas já houve dois anos em que criei coleções de homem, só que trabalho com uma equipa muito pequena e não conseguimos criar algo tão grande como aquele que é o universo de uma coleção de homem, com outros fornecedores, outro conhecimento a nível de tecidos… É outro departamento e é muito complicado.
Do ponto de vista comercial também é uma opção mais ajuizada?
Não tenho tanta certeza, porque o mercado de homem expandiu muito nos últimos anos. Os homens estão mais vaidosos e mais conhecedores de tudo aquilo que é o mundo da moda.
Cria obsessivamente?
Sim, é mais ou menos isso.
E que outras paixões tem?
A ilustração. Muito provavelmente, vai ser o meu futuro enquanto grande hobby, se é que não se vai transformar noutra coisa qualquer. O que a ilustração tem de muito positivo é que depende única e exclusivamente de mim. A moda, não.
Muito provavelmente, a ilustração vai ser o meu futuro enquanto grande hobby, se é que não se vai transformar noutra coisa qualquer.
Vê-se a largar a moda?
Isso não, mas nos próximos anos muito pode acontecer.
A música também é uma paixão?
Sim, também. Mas a música de hoje não tem cara e eu sou uma pessoa muito visual. É muito mais descartável, dura muito pouco tempo e torna-se difícil fixar nomes. Mas gosto muito de Tame Impala, esses sim têm uma imagem forte.
Por Nelson Marques publicado in Expresso