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Lurdes Fins: retalhos da vida de uma costureira

Lurdes Fins: retalhos da vida de uma costureira

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NATURAL da Póvoa de Varzim, onde nasceu a 14 de Dezembro de 1928, Lurdes Fins Silva, aprendeu a costurar a vida e a alinhavar o tempo no traje dos outros. Com as mãos tornou todos os bordados possíveis: “eu era uma boa bordadeira. Bordava tudo à mão desde toalhas, lençóis, colchas, almofadas. Não se notava o avesso do direito. Conheci muita gente a bordar mas do lado do avesso ficava uma nódoa”.

Lurdes Fins frequentou a escola alguns meses, mas não chegou a aprender a ler e explica porquê: “a professora era má como as cobras e batia-nos muito. Eu era a única rapariga de sete irmãos. O meu pai nunca me bateu nem deixava os meus irmãos tocarem-me. Um dia disse que não ia mais à escola. O meu pai aceitou e disse à minha mãe que assim eu não escrevia aos namoros. Era já adulta quando a minha sobrinha Celeste me ensinou a escrever o nome e a ler algumas palavras”.

O percurso de costureira é uma longa história de vida, que se adivinha desde criança. “Como não havia dinheiro para brinquedos, fazia bonecas de farrapos e vestia-as com roupas feitas por mim. Adorava brincar com as minhas amigas de trapo. Aos 14 anos fui trabalhar para a costura. Na primeira mestra, na Praça Marquês de Pombal, trabalhei nove anos. Era uma grande modista, fazia as melhores roupas e só trabalhava para senhoras de muito dinheiro. Éramos 10 empregadas. A Mestra talhava e provava, e nós fazíamos a roupa. Depois da morte dela, trabalhei para outra modista sete anos. Ganhava 13 escudos, (6,5 cêntimos)”. Melhores condições monetárias levaram Lurdes Fins até à Lavandaria Reina: “era a melhor lavandaria da Póvoa. Ganhava 20 escudos por dia (10 cêntimos). Fazia de tudo. Tanto engomava roupa de homem como de senhora. Limpávamos fatos de toda a qualidade, vestidos de noiva e toda a roupa de senhora. Passávamos a ferro e fazia-se algum trabalho de alfaiate, e alguns arranjos. Trabalhei no Reina 21 anos”.

Saber mais foi sempre uma forma de crescer na arte de costurar. “Aprendi o corte de costura com uma mestra do Porto. Recebi o diploma no palco do Povoa Cine. Os meus pais ficaram muito orgulhosos”. O tempo passava mas a costura continuava nas mãos de Lurdes Fins: “fui casada duas vezes. Quando morreu o meu segundo marido, o Dimas, fui trabalhar para a loja da minha sobrinha Celeste, todas as tardes. Ela fazia quase tudo à máquina e eu costurava tudo à mão. Passei uma vida a costurar, andei em boas modistas, mas o que eu gostava mesmo era de bordar à mão”.

Da meninice recorda o Carro Americano e as lanchas dos poveiros: “chamavam-lhe o Mulétrico, por andar nos carris e ser puxado por dois cavalos ou mulas. Lembro de me pendurar atrás e o cocheiro mandar o chicote para nos obrigar a saltar para o chão”. Quanto ao mar, Lurdes Fins diz que era uma só vela: “era os catraios na praia do peixe e catraias e lanchas no mar. Eu era catraia e ia com os meus pais comprar peixe fresco a rabiar que era leiloado junto ao castelo, por uma côdea de dinheiro. Agora o peixe é todo congelado e queimado a dinheiro”. E recorda o tempo sem frigorífico: “salgava-mos sardinha e chicharro. Éramos 10 com a minha avó. Era preciso ganhar o Verão para comer no Inverno”.

Lurdes Fins revela outras memórias de um passado que não esquece. “Lembro-me dos lavradores vir com uma lamparina de azeite à frente dos carros de bois buscar sargaço, pilado e estrume para os campos. Antigamente não havia casas de banho, toda a gente tinha uma retrete ao fundo do quintal. Os esterqueiros, que vinham de noite por causa dos cheiros, tiravam o estrume, despejavam a fossa e trocavam por lenha para cozinhar. Sujavam as casas todas porque passavam sempre pelos corredores”. E conclui: “quando chegamos a esta idade o que mais nos sobra é a saudade”.

Publicado in A VOZ DA PÓVOA

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