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Manuel António Pina: não sermos livres é absurdo

Manuel António Pina: não sermos livres é absurdo

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RELEMBRA-SE agora a entrevista a Manuel António Pina a propósito da publicação de O Tesouro (secretamente ilustrado por Manuela Bacelar), e disponível in http://www.casadaleitura.org/. Para o poeta foi a oportunidade de contar aos mais novos uma história verdadeira, que aconteceu mesmo (às vezes até parece mentira). A ilustração daquele dia em que se recuperou o tesouro da liberdade, um dia repleto de alegria deslumbrada, de quem não acredita e esfrega os olhos com receio de estar a sonhar, é hoje feita por Santiagu.

Que memórias guarda como as mais importantes da sua experiência pessoal da Revolução de Abril?

A rua, principalmente a rua. Os milhares e milhares de pessoas que, logo de manhã e, depois, pela tarde dentro, saíram espontaneamente para as ruas e praças. Sem convocatória, sem bandeiras, sem palavras de ordem, sem dísticos: apenas a voz. Aqueles gritos de “Liberdade! Liberdade!”, aquela alegria deslumbrada, de quem não acredita e esfrega os olhos com receio de estar a sonhar. Não havia ainda partidos a dividir-nos, não havia desconfiança, não havia suspeita. Nunca, como nesse dia e nos dias imediatamente a seguir, estivemos tão próximos uns dos outros. A minha cabeça e o meu coração estão, naturalmente, cheios de memórias desses desmesurados tempos. Mas a mais forte é decerto a desse dia inicial e, depois, a do primeiro 1º de Maio em liberdade, com a minha filha de 3 anos às cavalitas nos meus ombros, surpresa de tanta súbita felicidade à sua volta, levantando também ela o pequenino punho fechado no ar e gritando: “O povo unido jamais será vencido!”

Que motivações explicam a sua publicação sobre o 25 de Abril? O que é que ainda não foi contado aos pequenos leitores sobre este momento da História portuguesa?

O livro resultou de um convite da “April” e da Associação 25 de Abril, na sequência de uma sugestão feita pelo então presidente da República, Mário Soares. O convite foi-me feito numa sexta-feira à noite e o texto deveria estar pronto até domingo, pois na segunda-feira haveria uma reunião da comissão organizadora das comemorações dos 20 anos do 25 de Abril com o presidente da República, onde iria ser apresentado o projecto do livro. Escrevi-o nessa mesma noite, de um fôlego. No dia seguinte, a Manuela Bacelar ilustrou-o, também à pressa (acho que terá sido por isso que não quis assinar o trabalho). Quanto ao que ainda não foi contado aos pequenos leitores: penso que o essencial está contado (se alcança ou não esses leitores é outra coisa, e não depende já de nós, os que o contámos, ou tentámos contar). É natural que a exaltante experiência da liberdade que nós, os mais velhos, vivemos no 25 de Abril pouco diga hoje a jovens nascidos e criados em liberdade, para quem a falta de liberdade é algo incompreensível e absurdo. Foi o que também tentei dizer no livrinho, que não sermos livres é absurdo. Mas igualmente que a nossa liberdade (a individual como a colectiva) é um tesouro precioso que temos que proteger, e que opressão não é apenas um conto de meter medo, que muitos homens e mulheres (e crianças) continuam a viver oprimidos, às vezes bem perto de nós, e que isso inaceitável.

Em seu entender, qual foi o contributo da ilustração na publicação sobre o 25 de Abril?

Eu acho que, se é provavelmente verdade que uma imagem vale por mil palavras, não é menos certo que uma palavra vale por mil imagens. Depende da palavra e da imagem. Não conheço suficientemente a ilustração feita a propósito do 25 de Abril (julgo que estará a referir-se aos livros que tentam “contar” o 25 de Abril aos, como diz, “pequenos leitores”), para ter uma ideia se, no caso, essas imagens são das que valem mil palavras ou não. Espero que sejam. E também que as palavras escritas sobre o 25 de Abril valham mil imagens. Porque é tudo o que nos resta hoje: palavras e imagens.

Ver versão de O tesouro com ilustração de Evelina Oliveira aqui.

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