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Maria Cândida Silva: A Senhora da banca

Maria Cândida Silva: A Senhora da banca

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LICENCIOU-SE em Letras, mas acabou à frente da Casa Carregosa, instituição de câmbios que herdou do pai. Maria Cândida Rocha e Silva tem duas filhas, cinco netos e é a única banqueira de Portugal. O respeito pela sabedoria dos mais velhos, a leitura e a beleza do Douro são aspetos dos quais não prescinde no seu dia-a-dia.

Aos 68 anos, Maria Cândida Rocha e Silva guarda na bagagem a experiência de ter sido a primeira mulher portuguesa a exercer a profissão de corretora de bolsa. Com uma postura de costas impecavelmente correta e uma grande subtileza nas mãos, que a apoiam no discurso, a banqueira, natural de Vila do Conde, admite que em certos momentos da vida, o seu percurso acaba por estar sobreposto ao do Banco Carregosa, no qual exerce a função de presidente do Conselho de Administração.

Tradição será, talvez, a palavra que melhor define a instituição, nascida em 1833, no Porto, pelas mãos de Lourenço Joaquim Carregosa, para negociar divisas. Situada na Rua das Flores – onde ainda mantém o edifício – a então L.J. Carregosa viria a transformar-se numa Sociedade Financeira de Corretagem, tendo sido aprovada como banco em 2009. O percurso profissional de Maria Cândida cruzou-se com o da Casa Carregosa pelas mãos do seu pai, que era sócio da entidade e que, num determinado momento da vida, encontrou uma sucessora.

Boa aceitação num universo masculino

Numa retrospetiva a alguns momentos marcantes da sua carreira, Maria Cândida destacou a realização, em 1980, de um concurso para corretores na Bolsa do Porto. “Considerámos que foi a abertura da Bolsa porque, até aí, havia um corretor, que nem teria sido nomeado oficialmente, e que transmitia as ordens, colhidas nos bancos do Porto e, posteriormente, efetuadas na Bolsa de Lisboa”, explicou. Um dos aspetos que recordou foi o facto de, na altura em que assumiu funções, ter recebido um telegrama de uma filha do referido corretor a felicitá-la por ter sido reconhecida como corretora de bolsa. “Foi um episódio que não esqueci”, assegurou, com um sorriso no rosto, relembrando ter, nesse momento, 37 anos.

O telegrama de “boas-vindas” ao mundo da corretagem viria a ser a primeira evidência da boa aceitaçãoda sociedade às novas funções de Maria Cândida. “Sempre fui muito bem tratada”, reconheceu, admitindo não ter sentido qualquer dificuldade em inserir-se num universo predominantemente masculino. Ainda assim, as provas de trabalho e confiança que o seu pai já havia dado à frente da Casa Carregosa foram fundamentais para o seu desempenho. “Estive muitos anos na Casa Carregosa e as provas tinham sido dadas pelo meu pai. As pessoas sabiam de onde eu vinha. Havia um background que era conhecido. Não fui mal aceite e por isso olho para a sociedade com gratidão”, defendeu.

Private Banking: um conceito em prática antes da sua expansão

A Revolução de 25 de Abril de 1974 foi outro dos marcos que assinalou. “Nas revoluções, o tratamento dado às pessoas e instituições é muito pouco pensado, porque se trata de um ímpeto. Foi o que aconteceu com o nosso 25 de Abril, exceção feita às casas de câmbio – 16 no país – que tiveram um tratamento muito civilizado”, esclareceu. Nessa altura, acrescentou Maria Cândida, a banca nacionalizada tinha interesse nos funcionários da Casa Carregosa porque a entidade se dedicava mais aos comércio de títulos do que a câmbios. “A população flutuante de Lisboa, por exemplo, sempre foi muito grande, sobretudo se a compararmos com a do Porto que, praticamente, não tinha turismo. Não era possível sobreviver com a venda de divisas ao balcão”, contou.

Assim, com funcionários especializados “num tipo de comércio que a banca não tinha quem tratasse”, o espírito Carregosa conseguiu sobreviver às convulsões. “Era importante manter no mercado uma casa com tantas provas dadas”, sublinhou, explicando que, o aconselhamento que hoje os chamados private bankers dão aos cidadãos com grandes fortunas, já era colocado em prática na Casa Carregosa. “Um bom profissional tem de ter o bom senso de sentir o problema dos clientes. Isto é uma coisa da qual ouvimos falar há relativamente pouco tempo. O que acho que as pessoas não sabem é que a Casa Carregosa fazia isso com os seus clientes sem lhe chamar private banking”, destacou aúnica banqueira do país. “Era uma maneira avançada de tratar dos dinheiros, das poupanças dos clientes, por isso, uma casa que atravessa tantos anos com preocupações de futuro merecia que fosse mantida em funcionamento”, acrescentou.

Atualmente, Maria Cândida continua a lutar pela manutenção da estratégia que norteou a Casa Carregosa durante quase 200 anos. Com a gestão de patrimónios como core business, o banco pretende manter a sua pequena dimensão, apostando na diferença. “Acho que podemos competir enquanto formos diferentes. Como banco pequeno, o cliente encontra outro tratamento e resposta”, garantiu, explicando que os efeitos da atual crise que Portugal enfrenta não se refletem, tão notoriamente, na instituição por não haver concessão de crédito.

África: a intensidade dos 20 anos

Mesmo antes de terminar a sua licenciatura em Filologia Clássica, em Coimbra, Maria Cândida decidiu casar e mudar-se para África, onde lecionou durante alguns anos. “Sabia que as saídas profissionais para quem tivesse um curso de Letras estavam ligadas ao ensino, mas também sabia, com toda a certeza, que não gostava de ensinar, o que me obrigava a fazer um esforço muito grande para que os alunos não entendessem isso”, confessou, admitindo, no entanto, que adorou a sua estadia em África, durante seis anos.

De acordo com Maria Cândida, nos anos 60, houve uma “emigração interessante” para Angola, protagonizada por “pessoas diferenciadas”. “Angola era uma terra com muitas oportunidades e estava a desabrochar”, contou, revelando a existência de três fatores que facilitavam muito a vida desta classe emigrante de 20 anos: “o facto de as pessoas começarem a sua vida com ordenados agradáveis, o facto de o calor empurrar as pessoas para a rua e o facto de as pessoas não terem as suas famílias, levava-as a conviverem mais e a terem uma vida muito enérgica”.

Entretanto, durante umas férias que decidiu vir passar a Portugal, em 1970 ou 1971, uma “premonição acertada” do seu pai viria a fazer com que Maria Cândida não voltasse a abandonar a então metrópole. “África é um problema e tem os dias contados”, avisou o pai, em vésperas da Revolução dos Cravos. “Por isso, fiquei”, contou, revelando ter sido educada num meio em que a opinião e experiência dos mais velhos tem de ser valorizada. Por incentivo do pai decidiu, então, terminara sua licenciatura, realizando também outro curso, ao mesmo tempo que trabalhava na L. J. Carregosa. “Em 1994 surgiu a Sociedade Corretora Carregosa, que se transformou, em 2001, em Financeira de Corretagem. Em 2008, o banco foi autorizado”, contou, esclarecendo que a casa ainda aberta na Rua das Flores será uma espécie de museu. “Não queremos perder o ponto onde tudo começou. A tradição, para nós, é muito importante”, sublinhou.

Porto, “cidade simpática e pouco agressiva

Atualmente a viver na Foz, Maria Cândida Rocha e Silva não costuma caminhar a pé pela cidade, mas não prescinde da beleza da marginal e do Rio Douro. “Reconheço que a vida no Porto ainda é um bocado fechada, mas agradável, pouco agressiva”, defendeu. Dos tempos de adolescência, guarda os passeios pela baixa da cidade, na Rua de Santa Catarina, aos sábados à tarde. “Havia uma casa, a Confiança – uma ameaça de centro comercial – onde se compravam coisas e onde havia uma confeitaria. Encontrava-se lá toda a gente”, recordou, lamentando que, com o 25 de Abril, as “boas confeitarias” tenham “deixado de existir”.

Apesar de não ter muito tempo livre, já que considera importante a sua presença no Banco Carregosa, gosta de viajar, não prescindindo dos seus momentos de leitura em casa. “A informação é muito importante para mim, gosto de ler jornais e revistas da especialidade”, referiu, admitindo também a paixão pelo teatro e pelo cinema. Conciliar os papéis de banqueira, mãe de duas filhas e avó de cinco netos “é bom”. “O coração arranja tempo para tudo”, afirmou, sorridente.

“O que me falta fazer? Tanta coisa!”, confessou, afirmando que gostaria de chegar ao fim da sua carreira “com desafogo e energia para se dedicar a causas”, sobretudo ligadas aos mais velhos. “Faz-me muita impressão que os velhinhos se vejam atirados para casas onde não são respeitados, onde começam a trata-los por tu, como crianças”, lamentou. Apesar de tudo, confessa, “a vida é avaliada pelo saldo, que tem sido muito positivo”.

Curtas

Viagem – Itália

Livro – “Os Bichos” de Miguel Torga

Filme – “África Minha”

Flor – Rosa

Sonho – Ter o poder de minorar o sofrimento das pessoas

Personalidades – Nelson Mandela, Winston Churchill, Madre Teresa de Calcutá

Porto numa palavra – Aconchego

in http://www.viva-porto.pt/

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