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Maria Filomena

Maria Filomena

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MARIA Filomena vem com o filho, que foi buscar à escola depois de finda mais uma jornada de trabalho. Num primeiro momento, o rapaz parece tímido: desvia o olhar, evita falar connosco, recusa ser fotografado junto à reprodução em larga escala do rosto da mãe. A custo, arrancamos-lhe uma opinião sobre o retrato: está “muito bonito”, a mãe está “muito bem”, ali na Praça da República, bem no coração da baixa portuense. Maria Filomena – ou Filó, como é mais conhecida esta maria, nascida em Angola, mas residente no Porto há muitos anos – não insiste muito para que o filho se mostre mais expansivo.

Sabe que a timidez é passageira e que rapidamente o pequeno portuense vai ocupar o seu lugar na conversa, juntando-se à mãe frente à câmara e ao gravador. Filó tem esse efeito sobre as pessoas: deixa-as à vontade, chama-as à conversa, convida-as à partilha. O filho, como é óbvio, não escapa a esta influência.

Em Portugal desde pequena, Filó navegou por outras paragens antes de desembarcar no Porto. Quando chegou, há trinta anos, não fazia ideia do que ia encontrar. Mas logo quis conhecer como era a cidade, como eram as pessoas… Em três décadas, a cidade, outrora um pouco fechada, mudou bastante. Perdeu gente, sim, mas ganhou diversidade cultural: “Sim, as pessoas foram aprendendo a viver com outras pessoas, com outras culturas”, nota Filó.

Distâncias encurtadas, mas não eliminadas. Persistem dificuldades de convivência com a diferença – e não apenas entre brancos e negros, portugueses e estrangeiros. Num estaleiro da construção civil em que trabalhou por uns tempos, Filó viu “pessoas da Régua” a serem “maltratadas” por “pessoas do Porto”. Aí percebeu que são a ignorância e a incompreensão, mais do que a nacionalidade ou a cor da pele, que asseguram a persistência das distâncias.

A solução parece ser, para Filó, simplesmente sentar a diferença à mesa. Nem as aparentemente mais insanáveis oposições resistem. Quando esteve à frente da Casa do Sporting no Porto, Filó “pôs portistas” a frequentar o espaço. À volta dos petiscos reuniu gostos e culturas divergentes: sportinguistas e portistas (e, já agora, também benfiquistas…); angolanos e portugueses; negros e brancos; portuenses de agora e portuenses de sempre. Quem conhece, diz que é de provar e chorar por mais: a comida, claro, mas também a boa disposição, o convívio, a partilha.

E o crescente interesse por Angola? Tem alguma coisa a ver com tudo isto? Aqui, Filó hesita: “Bem, aí o mercado é que manda…”. Neste caso, é provável que quem tenta saber mais sobre o gigante africano, quem parte por estes dias para Angola em busca do que não tem ou sente não ter em Portugal, esteja menos interessado na cultura do que… no dinheiro.

À mesa de Filó, porém, o cálculo é outro. Sempre a somar, experimentam-se texturas, descobrem-se sabores, alimentam-se amizades. Cada conviva traz o seu ingrediente específico – Filó, por seu turno, mistura e dá a provar.

Por João Queirós (investigador do Instituto de Sociologia da UP)

Fotografia de Susana Neves

Sito in http://www.10pt.org/

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