MARIA Sousa, natural de Vila Nova de Gaia, tinha apenas 8 anos quando se mudou para a cidade do Porto e começou a acompanhar a mãe até ao mercado do Bolhão, no qual a progenitora vendia diferentes legumes e frutas. Do mercado ia para a escola, a pé, e para lá voltava quando as aulas terminavam. Seguiu esta rotina por alguns anos. Aos 17 assumiu o controlo do negócio e os hábitos alteraram-se. Desde essa idade que todos os dias se levanta às 4 da manhã para ir ao agricultor buscar hortaliças frescas para vender.
O negócio já não é o mesmo. Os clientes são cada vez menos, uma vez que muitos preferem as grandes superfícies comerciais. Há, contudo, um conjunto de consumidores que se manteve fiel ao longo dos anos. Sem eles, há muito que o comércio não seria viável. Apesar dos múltiplos turistas que o mercado atrai, estes estão mais interessados em ver do que comprar. “Querem apenas passear e tirar fotos”, diz Maria, habituada às câmaras que apontam nas mais variadas direções e vasculham cada recanto, sem deixar nada por fotografar. De vez em quando lá compram qualquer coisa, mas nada de significativo.
Um dos aspetos positivos do mercado é o convívio entre os vendedores, que já não é o mesmo, porque muitos foram embora e outros planeiam ir em breve, seja pela idade que já pesa, seja pelas eminentes obras de restauro do mercado. Maria, atualmente com 68 anos, não tinha planos de deixar o negócio para já, mas as obras que se avizinham apressaram a despedida. Ainda não sabe quando os comerciantes vão ser transferidos para o La Vie, local onde é suposto venderem os seus produtos enquanto decorrem as obras, mas disseram-lhe que deve ser por volta do fim do ano. Antes já lhe haviam dito que seria em setembro. O que sabe é que quando o dia chegar encerra a banca de vez, porque não ia ganhar para os gastos. No novo local teria de pagar luz, água e a limpeza do espaço. Muitas despesas para pouco negócio, que ia diminuir ainda mais quando perdesse os poucos clientes fixos que ainda conserva. Alguns já lhe disseram que se for para o La Vie não vão lá comprar os produtos. E se os turistas já contribuem pouco, com a mudança muito menos, pois também não iriam para o centro comercial. Aquilo que procuram no mercado não encontram fora dele.
A mudança traz consigo um novo horário. Os vendedores iam começar a trabalhar das 7 às 19. Maria já se levanta às 4 da manhã, com o novo horário questiona como faria: “Não ia a casa?” “Ficava a dormir no carro?” Está fora de questão. Deixou-o claro logo na primeira reunião na Câmara a que foi. Mas não é a única que não vai. Muitos não vão acompanhar a mudança, alguns, inclusive, já saíram. Acredita que vai acontecer com o Bolhão o mesmo que sucedeu com o Bom Sucesso. Alguns vendedores mantiveram-se após as mudanças, mas acabaram por sair porque não dava para o gasto, relata.
Apesar de tudo, não está contra as obras, até porque as acha necessárias. Deviam era ter sido feitas de forma gradual, para não ser obrigatória a saída dos comerciantes. Recorda que antigamente era assim, de vez em quando ia se arranjando o que era preciso, mas há muito que isso deixou de acontecer.
Após várias décadas a trabalhar no mercado muitas são as memórias que conserva do mesmo e não termina a conversa sem dizer que os mercados tradicionais é que são bonitos, com a luz, as pessoas, o convívio.
SOBRE A AUTORA: Patrícia Santos, natural de uma pequena aldeia do concelho de Santo Tirso, nasceu em 1997. Atualmente, estuda Ciências da Comunicação: Jornalismo, Assessoria e Multimédia, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Realizou Erasmus em Tarragona durante um semestre. Começou a colaborar com o Correio do Porto em 2017.