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Maria Wilma, 48 anos

Maria Wilma, 48 anos

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SORRIDENTE e jovial, Wilma parece mais nova do que os 48 anos que o seu bilhete de identidade declara. A boa disposição com que nos brinda motiva-nos para mais uma entrevista; a jornada de trabalho vai longa, mas Wilma traz energia renovada ao fim de tarde portuense. Por João Queirós Fotografia de Susana Neves

Nascida bem no coração da floresta amazónica, Wilma passou a maior parte da sua vida no que para si é a verdadeira “selva” – a urbana. Ainda criança, viajou para S. Paulo e por lá ficou. Estudou, teve filhos, trabalhou. No Brasil, foi professora. Antes de vir para Portugal, aos quarenta anos, dava aulas na periferia paulista, numa zona à época considerada “a mais perigosa da América Latina”. O confronto quotidiano com a miséria e a violência tornou-se demasiado opressivo e Wilma decidiu emigrar. Os filhos estavam a crescer e Wilma teve medo. Saiu. Em Portugal, esperava encontrar um “país desenvolvido”, um “país de primeiro mundo”. Quando chegou, percebeu que a realidade era muito diferente da do Brasil, mas também muito diferente daquela que Wilma esperava encontrar.

Deste lado do Atlântico, Wilma conheceu uma outra forma de violência, condensada em palavras e olhares, trejeitos e expressões, mitos e estereótipos; uma violência daquelas que talvez “não mate”, mas que certamente “mói”. Os sociólogos chamam-lhe violência simbólica, por causa dos meios através dos quais ela se exerce, mas os seus efeitos são bem materiais. Enquanto mulher – e, sobretudo, enquanto mulher brasileira –, Wilma provou a materialidade desta violência simbólica: as vagas de emprego misteriosamente preenchidas antes da sua entrevista, as casas por arrendar que afinal estavam ocupadas, as dificuldades para aceder a certos serviços, a ignomínia das palavras e gestos de homens abusadores. Wilma tem exemplos para dar, histórias de discriminação que não esquece. O tom é amargo, não podia ser de outra forma: segundo a nossa entrevistada, em Portugal, “os estrangeiros não são bem tratados”; os brasileiros, em particular, são “muito discriminados – os homens são vagabundos, preguiçosos, as mulheres são prostitutas”. Wilma continua: “Eu sabia que emigrar era algo difícil, mas jamais pensei que iria passar por uma situação destas. E eu sofri muito”.

Desde os primeiros momentos, Wilma decidiu que tinha de fazer algo para “atenuar” este sentimento. A sua primeira atitude foi defensiva: “não olhar para a cara das pessoas”. Olhos que não veem, coração que não sente, diz o ditado português, como se tivesse sido pensado para pessoas como Wilma. Ignorar os olhares e expressões foi a forma que Wilma encontrou para lidar com a realidade e preservar a sua integridade, a sua autoestima: “Como eu não via o sentimento deles, então eu já me sentia melhor (…) – e eu faço isso até hoje. Eu faço questão de não olhar para os olhares que estão à minha volta – é uma forma que eu tenho de me defender e de me proteger”.

Gradualmente, Wilma foi aprendendo a lidar com esta realidade e começou a espreitar para além da esfera protetora que construiu à sua volta. Sente-se cada vez mais forte e arrisca mais o contacto. Conheceu pessoas preconceituosas, mas também pessoas “maravilhosas”, que a “ajudaram muito”. E acredita que as dificuldades a tornaram uma “pessoa muito melhor”. “Não seria a pessoa que eu sou!”, sentencia. O sorriso regressa, finalmente. E o fim de tarde portuense anima-se.

in http://www.10pt.org/

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