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Memória descritiva de uma casa na Trofa

Memória descritiva de uma casa na Trofa

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A casa é visível e demora

Não esqueças nenhuma porta
o mapa das frinchas pelas paredes
desencontrados sopros, escadarias
aceita a mão incerta que te leva
há uma qualquer suavidade
reencontrada e sobressaltos
nas coisas espaçadas, tardia glória

Tudo atravesses com os olhos abertos
e fechados, descansa na sala de visitas
camarote sobre nenhum mar
tens pilhas de revistas arrumadas
e um recanto para acolher os guarda-chuvas

Alcança o quarto para os banhos, muito ao norte
procura um segredo nos desenhos de ladrilhos
podes jogar ao sério com o frio nos espelhos
ou fica a ouvir a água que se afoga pelos fundos

Com quem te cruzas, no trânsito inaudível?
Quem nos toca nos ombros
e demasiado nos debruça nas janelas?
De que recanto espiarão agora
os meninos seus carreiros de formigas
colónias de traças adoptadas
voos elegantes, espessuras em fio?

O ar dói com camadas sobrepostas
nas cozinhas que entram pela terra
cerca as aves que ficam penduradas
com asas feitas de raízes, grava
a fogo e carvão as cenas campestres
e em sanguínea os saltos da lebre

Abafa-se nos dormitórios voltados a sul
pelas horas que atraem ondas de mosquitos
espirais entontecidas que levam as mulheres
das salas às varandas, flutuam em camisas
transparentes, nós do corpo que se
deixam confundir com a noite que não pára
e traz estrelas, quedas súbitas ardendo

O sótão não se cansa de esperar
dispõe de coisas móveis e perdidas
caixinhas de conchas e berlindes
e tudo é consumido pela
poalha luminosa e vendavais
enquanto no pátio estalam os lençóis
como velas que levassem o lugar

Não é certo que se saiba da saída
ou de um fim para a memória

José Manuel Teixeira da Silva in Os pequenos nós da tempestade, Língua Morta, abril 2023, página 186

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