INTEGRA o grupo dos fundadores do PSD, mas a política partidária activa nunca o terá verdadeiramente fascinado. Gosta de livros, de coleccionar obras de arte, e, acima de tudo, da “liberdade livre” da escrita.
Nunca escreveu poemas, mas tem a arte de transformar os seus textos “em verdadeiros animais de companhia”. Nasceu, cresceu e vive no meio de livros e centenas de pinturas que povoam as paredes da sua ampla casa, na Foz . É advogado, ajudou a fundar o PSD, e, garante, sempre esteve “bem com a vida. Há dias completou 75 anos: cinco amigos, “à revelia”, fizeram esboços para um retrato do homem que, desde menino, diz andar com um poema no bolso.
Os cinco esboços para um retrato de Miguel Veiga, reunidos, ganharam a forma de livro. Aliás, era a essa a intenção de José da Cruz Santos, o editor, quando convidou Artur Santos Silva, Luís Neiva Santos, Luís Valente de Oliveira, Mário Cláudio, Vasco Graça Moura e Álvaro Siza Vieira. Os quatro primeiros autores, através da palavra, esboçam o perfil do multifacetado Veiga “advogado”, “amigo”, “escritor, “político” e “portuense”. Siza, com o seu traço inconfundível, faz o retrato. Há ainda, a abrir os depoimentos, um belíssimo poema de Marta Cristina de Araújo.
A obra, como o próprio revela no prefácio, nasce à “revelia” do retratado. E ele gostou dos atributos com que foi enfeitado. “Graças a eles pude reconciliar-me comigo próprio, neste fim de tarde da minha vida, rente ao mar da foz.”
Miguel Veiga nasceu no Porto em 1936. E poucas pessoas, diz Vasco Graça Moura, terão sabido como ele falar da sua cidade. Sabe “captar-lhe a dimensão burguesa e popular, a altiva tradição cívica e a pungente humanidade, a luminosidade da paisagem, entre o granito, rio e mar”.
A Vasco Graça Moura cabia-lhe falar do Miguel Veiga portuense, mas não esqueceria o escritor e o advogado, que habitam a mesma personagem. “Nos idos de 1960, o Miguel Veiga era um jovem e fogoso advogado, com alta qualificação académica, fortíssima preparação técnica e uma combatividade fora do vulgar”, lembra o escritor, também portuense e “fozeiro de gema”.
Entre a barra de tribunal e, às vezes, a política, Veiga teve ainda tempo para a escrita . Não em papel selado, isso fazia-o todos os dias: a outra escrita, que o fascinava desde a infância. “A alegria da escrita”, como diz Vasco Graça Moura, que havia de partilhar nos ensaios, na intervenção política e na crítica cultural.
Em todos os cinco esboços para um retrato de Miguel Veiga, a faceta do homem de cultura é valorizada. Leitor atento, coleccionador “quase infalível” nas aquisições, o que não o impediu de “ajudar muitos artistas em dificuldades, sobretudo os mais novos”.
Graça Moura lembra ainda a relação curiosa que o advogado mantém com os artistas. “Ouvi o Veiga garantir com toda a seriedade que tinha mandado instalar na banheira uma ‘menina’ do João Cutileiro, porque era uma maneira de tomar banho com ela todos os dias…”. Na casa de campo em Loivo, no Minho, não terá a “menina” na banheira, mas o advogado levou para um canto do jardim uma “Anja”, do mestre José Rodrigues. “A vida tem-me tratado bem desde o berço, a meninice e por aí fora, nesta minha sorridente, mais repousada e confortavelmente instalada veterania de três vezes vinte cinco anos.”
Por Francisco Mangas publicado in http://www.dn.pt/gente/
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“É preciso, por vezes, armar ilhas de resistência contra a perda de memória”
Miguel Veiga defendeu ontem que é preciso, por vezes, criar ilhas de resistência contra a perda de memória para encontrar o sentido do que acontece num mundo que parece destinado ao efémero.
O antigo vogal do Conselho Superior de Magistratura interveio na sessão comemorativa dos 35 anos da Colectânea de Jurisprudência que se realizou ontem de manhã no Tribunal da Relação de Coimbra.
O igualmente advogado considerou que a escola fácil não prepara para a vida difícil e que o tempo conta muito e não conta nada. «Os tempos são curtos para o que pensa e infindável para aquele que deseja», disse o causídico, definindo a Colectânea como «um livro de memória», evocando a propósito um adágio antigo que diz que «uma casa sem livro é um corpo sem alma».
Miguel Veiga lembrou que o próprio progresso ameaça fazer do futuro algo de sombrio e inquietante. «Há algo mais forte que a tradição. É a vida. É ela que transpira nestas páginas da Colectânea», disse, considerando que «as memórias, como as mulheres, são feitas para serem inquietadas e respeitadas». Aquele advogado referiu, por outro lado, que os tempos actuais são de viragem e que o futuro do Direito é indeterminado.
Para Miguel Veiga, a Justiça não é uma instituição como as outras, sendo a mais simbólica do Estado. Daí que se o sinal e símbolo da esperança é fraco e decadente e a autoridade já não pode exercer-se. «Presentemente, a Justiça é o “nó górdio” da Democracia», frisou, aludindo ao facto do país andar atravessado por um delírio legislativo em que «o nosso cabisbaixo Estado de Direito é subjugado por um Estado de Lei».
Concubinato judiciário
Considerando falsa a ideia de que advogados e juízes se odeiam, o antigo vogal do Conselho Superior de Magistratura explicou que o que funde o relacionamento entre juiz e advogado é a circunstância de se encontrarem numa situação de “concubinato judiciário”. «Como poderia funcionar a Justiça sem a representação de um advogado que é, amiúde, inspirador do juiz», interrogou-se. «Sem advogado o juiz ficaria ainda mais só e desamparado», sublinhou, alertando para o facto de não se estar a referir ao juiz sobranceiro que «por não prestarem deixo de fora». «O verdadeiro julgador não pode, nem deve, comportar-se como um galo no poleiro», acrescentou, defendendo que a tarefa dos tribunais é nos nossos dias a de mediação. Miguel Veiga defendeu que ao julgar, o juiz deve utilizar conhecimentos extra-judiciais» e que «o juiz que só sabe de Direito, nem de Direito sabe», sendo que «a vocação do nosso tempo passa a ser a Jurisprudência, como no início do século foi a legislação e no século XX a codificação».
Na sessão falou também o presidente emérito do Tribunal Constitucional que considerou o tema proposto para abordar (“Um olhar sobre a Jurisprudência”) extremamente vasto.
No fundo, a intervenção de Cardoso da Costa foi uma apreciação institucional e dogmática. Ou seja, reflexões sobre a Justiça Constitucional que, em sua opinião, desempenha uma «inegável dimensão positiva em várias vertentes já que é através dela que a Constituição se faz impor e transmite o seu influxo à ordem jurídica geral». Ou, ainda de acordo com Cardoso da Costa, esta «particular vertente da Justiça Constitucional pode ser qualificada como uma função mediadora em qualquer das suas áreas».
Por José João Ribeiro publicado in http://www.diariocoimbra.pt/