NUNO Canavez nasceu em 1935, no Vale do Juncal, aldeia do concelho de Mirandela. Com treze anos calçou sapatos pela primeira vez, vestiu um fato e mudou-se para o Porto, cidade na qual vive desde essa altura. O seu objetivo era trabalhar de dia, numa drogaria ou mercearia, e estudar de noite.

As coisas não correram exatamente como planeou. Ao invés de conseguir trabalho nos comércios mencionados, tornou-se marçano da chamada Livraria Académica, considerada atualmente um marco histórico da cidade do Porto, com mais de 100 anos de existência. Concorreu ao emprego com cerca de uma dúzia de rapazes. Recorda que Guedes da Silva, fundador e na altura proprietário da livraria, lhe perguntou se gostava de ler. Canavez foi sincero. Era natural de uma aldeia à qual era difícil chegar o jornal, quanto mais livros, razão pela qual nunca teve a possibilidade de desenvolver esse gosto. Acreditava, contudo, que quando se familiarizasse com os livros o podia adquirir. Respondeu a mais algumas perguntas e foi contratado. Não sabe o motivo exato pelo qual foi selecionado, mas isso não o impede de ter uma teoria: julga que o motivo reside no facto de ter sido considerado uma pedra em bruto, que podia ser moldada, uma vez que era de uma aldeia à qual não havia chegado os vícios da cidade.

O emprego na livraria não impediu Nuno de realizar os estudos que ambicionava. O na altura patrão, que descreve como pessoa excecional, não só o incentivou como ajudou no que pode. Deu-lhe os livros que necessitava e deixava-o sair à hora que precisava. Conciliou então o estudo com o trabalho, subindo de posto à medida que os seus conhecimentos aumentavam. Mais tarde, por proposta de um conhecido, abriu um negócio na rua de Cedofeita, no qual esteve quatro anos até regressar à livraria. Andava insatisfeito e quando Guedes da Silva o tentou recontratar, aceitou. Regressou com melhores condições e na década de 60 tornou-se sócio. Eram três até que o antigo patrão morreu. Ficou apenas Nuno e a viúva que, a dada altura, achou não ser merecedora de receber tanto quanto Canavez. Nuno disse que não havia problema e que receberiam o mesmo. A gratidão da viúva fez com que dois anos depois esta lhe apresentasse o seu testamento, no qual estava expresso que à sua morte ele se tornaria o único dono da livraria, na qual trabalha há 68 anos.

Tantos anos no negócio permitem que o conheça como poucos. Assistiu na primeira fila a todas as mudanças que este enfrentou e ao início do seu declínio, para o qual a crise que se instalou no país há alguns anos contribuiu. Os computadores, diz, são outra tragédia, uma vez que as pessoas passam a aceder aos livros através deles por ser um processo rápido e menos dispendioso. Nota também um desinteresse pelos livros por parte da nova geração, embora frise que há exceções. Isto leva a que não haja renovação de leitores, pelo que o negócio tem tendência a diminuir. Há dias em que não vende um único livro, situação que não se verificava no passado. A maior parte das pessoas que entra vem vender e não comprar, mas aparecem normalmente com aquilo que já toda a gente tem, pelo que dificilmente compra. O espaço é precioso e reduzido. Praticamente todos os cantos da livraria estão preenchidos, pelo que tem de ser seletivo. Para não mencionar que tantos anos no negócio fazem com que seja capaz de identificar exatamente os que valem a pena, assim como tudo aquilo que pode valorizar ou desvalorizar uma obra. Enumera vários aspetos, entre eles a encadernação, a rareza e o autor.

Há quase sete décadas na livraria, não tem pressa de a deixar, apesar de ter um substituto planeado: o seu filho, que já trabalha na mesma.

SOBRE A AUTORA: Patrícia Santos, natural de uma pequena aldeia do concelho de Santo Tirso, nasceu em 1997. Atualmente, estuda Ciências da Comunicação: Jornalismo, Assessoria e Multimédia, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Realizou Erasmus em Tarragona durante um semestre. Começou a colaborar com o Correio do Porto em 2017.

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