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O tio Acácio Xêna

O tio Acácio Xêna

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DESCOBRI mais um primo. Ele assim o diz, eu não tenho porque o contrariar. Acácio Fortunato, o tio Acácio Xêna (e já vamos a esta alcunha), é filho de Manuel Fortunato (Xêna) e Maria Clara. A mãe é irmã de Rosa Clara, minha bisavô paterna, que casou com Abel Coentrão (do Manezinho), o meu bisavô. O tio Acácio, na verdade, é primo do meu falecido avô Abel Coentrão. Mas se ele diz que é meu primo…

O meu primo novo, que na verdade tem 95 anos, descobri-o no domingo passado. A Helena Flores já tinha estado em casa dele, na estreiteza da Rua Alfredo Bastos, na Poça da Barca, e levou-me lá, para lhe devolver umas fotos antigas e fotografá-lo com a mulher, a dona Lucília de Sousa Galante, que tem 92 anos. Ficamos horas, a fazer-lhes companhia, e a preencher buracos na nossa história pessoal e na destes lugares por onde eles viveram.

O tio Acácio é “Xêna” por causa do pai. E o pai não era nada “Xêna”. Filho de família pobre, o rapaz foi entregue à madrinha, uma tia, poveira, essa sim casada com um homem, mestre da pesca da sardinha, que tinha por nome de guerrra “Xêna”. Pois bem. Anos depois, quando voltou para casa dos pais, o Manuel Fortunato passou a ser chamado Xêna. Mesmo pela mãe. E uma mãe, já se sabe, não deve ser contrariada.

O apelido ficou, assim, emprestado. O tio Acácio é do “Xêna”, como era uma sua irmã, Maria do Alívio, mãe de uma fornada de “Xênas” das Caxinas. Alguns até nem gostavam da alcunha. O Manuel Agonia, um dos filhos da dona Do Alívio, diz-me que chegou a andar à porrada com quem lhe chamava esse nome. Mas agora nem se importa. E na verdade, se alguém chegar às Caxinas e perguntar pelo Manuel Agonia António (este apelido vem do pai), mesmo na rua dele é possível que não saibam quem é. Já o Nia Xêna…bom, esse é bem conhecido.

Mas voltemos ao tio do Nia, o Acácio. A vida dele e da mulher passou, durante muitos anos, por Matosinhos. Ali trabalharam, ele na pesca da sardinha, ela a ajudar as traineiras em terra. Viveram em vários bairros, em casinhas apertadas para uma família que cresceu, com os seis filhos que viram nascer (um deles morreu dos braços do pai, doente, com 4 anos). Ali vivem, agora, vários deles: a Celeste, o Feliciano, e o Luís. Têm ainda o Elias e o Manuel (Sousa Fortunato, como os outros), que governa o barco Adelaide Lucília.

Acácio e a mulher regressaram à Poça da Barca, para envelhecerem naquela rua de costas para a favita, de onde tinham saído quando jovens. Sentados na sala, connosco, ouvímo-lo dizer da tristeza que sente por perceber que os seus 95 anos pouco interessam para a comunidade em que vive. E ele ouviu-nos dizer que está enganado, que é pecisamente para que que se saiba, que estávamos ali. Como José Vila Cova, que já tinha escrito sobre o tio acácio no seu livro Caxinas, minha terra, minha gente, de 2008.

O tio Acácio é da mesma idade do tio Fernando da Revina. E se este enfrentou os perigos da Pesca do Bacalhau, o primeiro não viveu vida mais fácil. Naufragou em 1950, quando trabalhava, com outros 40 homens, na traineira Sr.ªa do Alívio. Sete pescadores, quatro deles das Caxinas, morreram, quando o barco foi abalroado por outro e se afundou, no mar de Aveiro. Ele foi um dos que sobreviveu para contar.

O meu primo Acácio não sabia do Farol da Memória. Eu não sabia dele. Nem sei ainda de outros, que haveremos de descobrir neste caminho inaugurado há quase 20 anos, com uma entrevista ao Fernando (Da Revina) Matias Marques. Outros e outras que, como estes dois amigos de 95 anos, nos podem ajudar a perceber o que foram as Caxinas e Poça da Barca. Mal imagina o tio Acácio como aquelas horas, na casa ao pé do porto, foram um estímulo para o muito que há por fazer, para chegarmos às muitas casas a cuja porta temos ainda de bater.

Por Abel Coentrão in http://www.caxinas.pt

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