PARA comemorarmos o dia do poeta, que hoje se celebra (20 de outubro), republicamos, na íntegra, a entrevista de João Pedro Mésseder concedida ao jornal i em outubro de 2014. Nela ficamos a saber que o livro que nunca conseguiu acabar de ler foi o de instruções. Que um dos que releu mais vezes foi o volume II de o “Trabalho Poético” de Carlos de Oliveira. Que escolheria Volodia Teiteboim para lhe escrever a biografia por achar que buscaria a verdade de si, seja ela qual for. Confissões de um poeta que em miúdo sonhava ser como o Pedro de “O Clube dos Sete” de Enid Blyton.
Qual foi o primeiro livro que leu? O que se lembra dele?
“Sapato de Fogo e Sandália de Vento”, de Ursula Wölfel. As férias de um rapaz pobre em viagem pela província, a pé e de mochila às costas, na Alemanha. Em cada capítulo uma descoberta e, partindo dela, uma história divertida que o pai conta ao filho, companheiros inseparáveis que são. Magnífico.
Que livro o obrigaram a ler na escola que achou insuportável?
O manual de Organização Política e Administrativa da Nação, no liceu, ainda no tempo do fascismo. Aos livros de literatura o adjectivo nunca se aplicou. Sempre viajei com entusiasmo entre os trovadores medievais e Eça, passando por Gil Vicente, Garrett, Herculano, Camilo. No meu tempo, não se chegava a ler Camilo Pessanha ou Pessoa. Mas eu procurava-os e lia.
Que obra proibida leu às escondidas?
O “Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engels, antes do 25 de Abril, entre várias outras igualmente subversivas.
Que livro gostaria de ter escrito?
“Livro Sexto”, de Sophia. Ou “Sendas de Oku”, de Bashô. Ou o “Livro do Desassossego”, de Pessoa/Bernardo Soares. Ou “Greguerías”, de Ramón Gómez de la Serna. Ou “Marca de Água”, de Brodsky. O diabo é a escolha.
Qual a obra que releu mais vezes? Porquê?
Além dos livros da infância, talvez o volume II do “Trabalho Poético” de Carlos de Oliveira, por incluir dois livros que me acompanham desde a juventude: “Sobre o Lado Esquerdo” e “Micropaisagem”. Há muito que trago em mim um par de poemas em prosa do primeiro livro: “Sobre o lado esquerdo” e “Posto de gasolina”. Não sei se li estes livros mais vezes do que “A arte de viver para as novas gerações”, de Raoul Vaneigem. Ou do que o “Romance da Raposa”, de Aquilino, ou “O que Diz Molero”, de Dinis Machado – livros maravilhosos que os meus estudantes de Literatura da Escola Superior de Educação do Porto têm de ler, com a minha ajuda.
Que livro nunca conseguiu acabar de ler e porquê?
Nunca consegui acabar de ler um livro de instruções.
Qual foi o livro que leu mais rápido e em quanto tempo?
Talvez “On the Road”, de Kerouac, em dois ou três dias, aos dezassete anos. Para não falar da leitura a galope de “O Vermelho e o Negro”, do galopante Stendhal. Mas certos livros de poesia (Sandro Penna, Guillevic, Manoel de Barros, José Paulo Paes…) leio-os em uma hora ou duas e regresso a eles nos dias seguintes.
Costuma ler todos os dias? Em que local e em que horário?
Leio todas as noites, antes de dormir, e durante as insónias, que não são poucas (o livro é um lenitivo incomparável). Quando posso, gosto de ler de manhã, na cama, ou pelo fim da tarde. Também leio poemas e aforismos nas viagens de metro.
Matava para escrever como que escritor?
Em vez de os matar, insuflava-lhes nova vida, se pudesse: Oscar Wilde, Freud, Lorca, Brecht, Aquilino, Tonino Guerra…
Qual é o melhor título de um livro que já leu?
Entre “A Streetcar Named Desire” (Tennessee Williams) – assim mesmo, em inglês –, “Metal Rosicler” (Cecília Meireles) ou “Outono Havias de Vir” (Irene Lisboa) que alguém escolha. Ou então peça-me outra lista.
De que romance alterava o final e porquê?
Preferia alterar o final da tragédia “Édipo Rei”, de Sófocles. Édipo conformava-se e seguia por diante, Jocasta não se suicidava. Depois, sentava-me numa nuvem do Olimpo a contemplar as implicações civilizacionais deste “happy ending” no curso dos séculos…
Vai parar a uma ilha deserta e encontra o pior livro imaginável. Como se chama?
“Empreendedorismo e Competitividade: os desafios do futuro”.
A bebida ideal para acompanhar uma boa leitura?
Chá ou refresco de café.
E e-books? Compra ou é fiel ao papel?
Os e-books são os robôs do mundo dos livros. Inodoros ou quase, falta-lhes conteúdo: flores secas, fitas de seda, papéis de prata (de bombons), assinaturas de antigos donos, dedicatórias e autógrafos, cartas esquecidas… Ah, e contribuem para a extinção do bicho do papel. Não compro.
Em miúdo, sonhou em ser igual a que personagem literária? Porquê?
O Pedro de “O Clube dos Sete” de Enid Blyton, mais pelo boné, emblema, ar “british” da indumentária do que pelo espírito detectivesco. Mas li uma biografia de Mark Twain, e como a vida do seu Tom Sawyer lembra a infância dele, também sonhei ser como estes dois, autor e personagem.
De que livro tirava o seu epitáfio, porquê?
Pelo título e pelo muito que sugere, ia buscá-lo ao “Caderno H”, de Mário Quintana – é o “Poeminha do Contra”: “Todos esses que aí estão / Atravancando meu caminho, / Eles passarão… / Eu passarinho!” A Quintana, aliás, tomei de empréstimo o verso que dá título ao último livro que publiquei (infantil, juvenil, para adultos…), com ilustrações de Rachel Caiano: “Tudo É Sempre Outra Coisa”.
Quem escolhia para escrever a sua biografia?
Volodia Teitelboim – o biógrafo chileno de Neruda, Huidobro, Mistral, Borges – só porque acho que ele buscaria a verdade da minha pessoa, seja ela qual for.
Coma sempre este professor e poeta dá mostras do seu saber e chaves para comprender a súa obra. Parabens desde Galicia.