PATRÍCIA Queirós tem 29 anos, é natural de Meinedo e é licenciada em teatro pelo ESMAE – Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo. Foi a Fabianne do filme Balas & Bolinhos 3 – último capítulo e dinamiza atividades teatrais no Cais Cultural Albano Moreira da Costa em Caíde de Rei. Vamos conhecer melhor a “menina do teatro”:
Jornal de Lousada (JL) – Como surgiu a oportunidade de integrar o elenco de Balas e Bolinhos?
Patrícia Queirós (PQ): Foi através de um casting. Eu estava e estou agenciada numa agência do Porto, já há uns anos, e nunca tinha surgido assim nada, nem eu telefonava para agência à procura de novidades. Um dia ligaram-me, porque ia haver um casting para o Balas e Bolinhos e perguntaram-me se eu estava interessada em participar. Fui ao casting, fui pré-selecionada – isto sempre com intervalo de meses – e depois fui fazer um novo casting, desta vez com o realizador. Ele gostou e disse logo que tinha uma personagem para mim e a partir daí foi a aventura total.
JL – Como foi interpretar o papel de Fabiane?
PQ: Para mim, entrar na personagem é algo muito espontâneo e instantâneo. Saber apenas o nome e as características físicas do personagem permite-me logo começar a dar largas à imaginação. E foi mesmo isso que aconteceu, porque eu tive muito pouca informação sobre a personagem. Sobre o guião, então, nem tinha nenhuma. Estava completamente no segredo dos deuses. Mesmo a folhinha da prova de casting, não a pude levar embora. Não tinha acesso a absolutamente nada. Fiquei a saber da maioria das coisas, praticamente, na hora das gravações. E a personagem foi criada assim… instantaneamente. Sabia que era uma índia, que tinha um pai que era um “paizão”, bem forte e que defendia muito a sua filha. E, porque até tenho bom porte, achei graça fazer uma figura que fosse a menina do papá. Sobre a pronúncia, ainda perguntei ao realizador o que é que ele achava, mas ele disse-me para fazer o que julgasse melhor. Gostou e ficou aquela pronúncia.
JL – As pessoas reconhecem-te do filme?
PQ: Já tive alguns episódios engraçados. Não me conhecem na rua ao ponto de me interpelarem, mas já aconteceu, por exemplo, no hipermercado a senhora da caixa parar e dizer: «Eu tenho de lhe perguntar, você já entrou num filme, não já?». Já me aconteceu uma situação muito engraçada de uma senhora me tocar nas costas e dizer: «Olhe, desculpe, você fez um filme, não fez?!» E eu disse-lhe: «Não.» Ela ficou assim muito desiludida e eu lá acrescentei, para brincar um bocadinho com ela: «Não, eu não FIZ um filme… eu ENTREI num filme.» E ela, muito entusiasmada: «Foi, não foi? Oh Maria, olha ela!». Foi um aparato dentro da loja, mas muito engraçado. Fiquei logo ali catalogada. De resto, eu não divulguei muito, só pelas pessoas mais próximas e as reações que fui tendo foiram somente de amigos e familiares que, aos poucos, à medida que iam vendo o filme, iam ligando.
JL – É fácil fazer carreira no teatro neste momento?
PQ: É difícil. Uma coisa é fazer teatro, outra coisa é fazer uma carreira. Fazer carreira no teatro é difícil e eu nem vou dizer que é nos dias de hoje, porque eu acho que, apesar de tudo, nos dias de hoje até nem é tão difícil como no passado. Toda a gente quer ir para teatro, pelo que parece. Acho que, principalmente para as mulheres, é mais fácil hoje em dia do que era há uns anos atrás – em que ir para teatro era um sacrilégio. E Deus me livre de pensarmos em seguir teatro! Não era lugar para meninas, sobretudo de boas famílias. Felizmente já passámos essa fase.
JL – Os teus pais sempre te apoiaram nessa opção pelo teatro?
PQ: Os meus pais sempre deixaram, desiludi um bocadinho a minha mãe por não ter ido para Direito. Já o meu pai ficou naquela: «Ouve lá, mas isso dá dinheiro?»… Enfim, aquelas coisas típicas. Mas é, de facto, a profissão onde eu me realizo e realizo-me não só como profissional, mas também como pessoa. Transforma-me. Cresço muito. Até porque o teatro, ao contrário daquilo que as pessoas poderão pensar, não é só o lado do «faz de conta» ou o «vamos entreter aqui as pessoas» – como aliás eu faço muito, porque faço imensas animações, é verdade. Mas o teatro tem um lado de análise, de estudo, de pensar sobre. É uma história que está li na nossa frente para nós refletirmos, porque tanto podemos fazer de uma maneira, como de outra. Com o mesmo texto, podemos interpretar aquilo de diversas formas. Esse lado da profissão é um desafio que me alicia muito e eu cresço muito com isso. Na verdade, eu sempre construi a minha carreira de duas formas e sem grande premeditação: por um lado, existe o trabalho no Porto, onde eu tenho vindo a fazer peças em teatros, no Teatro da Vilarinha. Já trabalhei em companhias emergentes e que têm feito grandes percursos no Porto – companhias relativamente recentes, com cerca de dez anos, onde aprendi muito. Tenho trabalhado com uma companhia com uma maior história, que é a Companhia Pé de Vento, que já tem 34 anos de história. E é aí, nesse mundo cultural e artístico, onde eu realmente pratico um teatro como eu há pouco descrevia, que é um teatro de reflexão. É ali que pratico puramente teatro, ou seja, de segunda a sábado eu trabalho num teatro. Dou aulas de teatro a crianças – tem que ser –,mas também gosto muito. Julgo que se não tivesse sido atriz, não ia fazer a vontade à minha mãe ao ir para Direito é certo, mas teria sido professora. Dou aulas durante o ano inteiro num colégio, no Porto, e estou envolvida num programa com a CM Porto, através da Companhia de Teatro, onde vamos a escolas em que não há aulas de teatro e damos oportunidade de eles experimentarem. E é muito giro, porque encontramos realidades onde os miúdos só conhecem futebol, aquele futebol agressivo de recreio e de repente experimentam coisas diferentes. Já pela zona de Lousada e arredores, tenho as minhas animações e espetáculos.
JL – Como é dinamizar cada uma dessas animações que fazes?
PQ: O desafio deste tipo de trabalho, mas que eu quero continuar a fazer, não é uma peça escrita, ou seja, cada espectáculo é diferente. Como o meu público não está muito habituado, ainda, ao teatro, eu também não posso arriscar muito e fazer aquele tipo de teatro que agora se faz que é o teatro de improviso, interativo com o público, ainda é muito arriscado. Para ir aos pouquinhos o que é que eu faço?! Concebo um alinhamento, crio uma ou mais personagens. Tenho uma estrutura de espetáculo e vou improvisando ao longo daquela hora. Portanto, todos os dias é diferente. Até aquela que, supostamente, parece a mesma piada, não é. Até porque eu não me lembro do que disse no dia anterior. Para mim é um desafio, mas também é concentrar num palco aquilo que eu tenho vindo a fazer em festas de empresas e casamentos.
JL – Um ator habitualmente ligado, por exemplo, ao teatro de Revista ou ao humor, pode ficar conotado como sendo especialista apenas nessa área. Achas que é assim ou existe uma versatilidade por parte dos atores?
PQ: Julgo que de minha parte existe, pelo menos eu tento. Eu já fiz espetáculos que não têm a ver nada uns com os outros. Faço espetáculos infantis, outros nem tanto. Sou por natureza versátil e, portanto, se a minha veia artística me permite expressar, eu não podia ser sempre a mesma coisa. A verdade é que – e a propósito de Carnaval – esta coisa das animações, o entrar por uma festa dentro e “partir a louça toda”, como se costuma dizer, surgiu exatamente num Carnaval. Uma das minhas avós adora teatro, faz parte de um grupo de teatro que eu tenho, em Caíde, e ela um dia desafiou-me a correr o Carnaval com ela e com os meus tios. Normalmente, eu trabalho na altura do Carnaval, mas nesse ano eu não tinha trabalho e então disse: «Pronto, vamos lá!». À última da hora fui-me vestir, uma roupa qualquer que eu tinha em casa, umas bochechas vermelhitas, uma garrafa de vinho e lá fui eu, a fazer de conta que tinha apanhado uma grande piela. Acreditem ou não, eu estive 24 horas em personagem. As pessoas falavam para mim e eu estava sempre naquela onda. Eu chorei, eu ri, eu meti-me com as pessoas,… No final deste dia de Carnaval, eu percebi que já tinha estado numa Faculdade de Teatro, já tinha estado em grandes palcos e, no entanto, ali eu tinha tido a verdadeira experiência. Eu estive horas e horas. Outro dia pediram-me para pegar no figurino, fazer outra vez uma brincadeira. Eu fui, fiz e percebi que aquilo me estava na pele. Nem sei explicar. São coisas que saem de um momento para o outro. As pessoas perguntam-me «Como é que você faz?», «Você prepara as piadas?», «Como é que é?»,… Não tenho resposta, não sei. É algo inato e instantâneo. É também – e o teatro parte disso – o prazer de estar naquele momento no papel de outro, ou seja, contrariamente ao que as pessoas pensam, não é levar a mentira do teatro – que é a arte do fingimento – para a vida, mas levar a verdade da vida para o teatro. Se tu estás no papel de outro e acreditas nisso, durante aquelas horas permites-te ser outra pessoa… E isso só tem de ser giro e engraçado.
JL – Como é a Patrícia? Quais as tuas características?
PQ: Engraçado, eu nunca tinha pensado nisso, mas vou tentar dar-te uma resposta, num instante. Eu sou por natureza bem-disposta e noto isto, por exemplo, quando eu tenho problemas e mesmo assim eu rio-me e ponho as outras pessoas a rir. E aí é que eu percebo quando estou bem com a vida. Eu posso ter aquele problema, aquele assunto, mas a minha plenitude está cá, a minha nuvem amarela e bem-disposta está cá. Tem sempre ali um travo de sol e não chove todos os dias. Recuando uns anos, posso dizer que, relativamente à minha forma de ser, por um lado, sou reservada e tenho o meu mundo e, por outro, sou muito extrovertida, mas não sou extrovertida em todas as situações. Acho que isto é o tal aspeto que toca na versatilidade. Sinto que, de facto, sou uma pessoa versátil. Por exemplo, os espaços mexem muito comigo. Eu se estiver dentro de uma Igreja ou se for visitar um monumento, a minha postura muda imediatamente. Eu não consigo fazer algazarra dentro de um Mosteiro. Entro naquele ambiente. Se eu for para uma feira popular ou para uma festa, entro na “peixeirada”. Eu noto que sou versátil aí. E por isso é que se calhar eu consigo adaptar-me a cada evento. Se eu vou animar um casamento ou se eu vou animar uma comunhão, tenho sempre por onde pegar, porque mal entro no contexto, transformo-me logo.
Defino-me como alguém que tem uma grande boa vontade. Posso não conseguir fazer tudo bem, mas a minha boa vontade existiu e eu acho que peco exatamente por isso. Tenho tanta boa vontade que me entrego a tudo. Quando vou a dar conta, não consigo chegar a todo o lado. Eu já sou grande (risos), mas a minha dimensão duplica-se quando eu quero fazer mais do que aquilo que devia.
JL – É a primeira vez que tiveste uma experiência de cinema, com o Balas e Bolinhos?
PQ: Não propriamente. Já participei numa curta metragem.
JL – Quais as principais diferenças entre o teatro, a televisão e o cinema?
PQ: A experiência que eu tive em televisão (e não é muita) é muito mais parecida com a experiência que tive em cinema, do que propriamente com a experiência que tive no teatro. A experiência em teatro não tem a ver com nada. Não vale a pena as pessoas pensarem que existem semelhanças. Há um trabalho de personagem, mas o trabalho não é o mesmo… o processo não é o mesmo. No teatro, nós chegamos a estar, sem exagero, duas, três, quatro horas à volta do mesmo parágrafo, da mesma fala, às vezes à volta da mesma frase. É um trabalho que vai ser exibido ao vivo e, portanto, não pode falhar e nós temos de ter a certeza do que estamos a dizer. E não se trata só de decorar o texto. No teatro, eu tenho de dizer todas as falas com uma ideia, tenho que passar uma ideia. Isso também acontece no cinema (e na televisão), ou seja, tem de haver uma essência nas falas. Mas, por exemplo, nestes dois campos se o ângulo ficou bem pouco importa se a lágrima caiu ou se não caiu, são pormenores, chora-se na próxima… quer dizer, não há esse “habitar a personagem”. No caso de novelas, vai havendo um processo contínuo. Mesmo que não se perca muito tempo com aquela fala, vai-se perder muito tempo com a personagem, coisa que no teatro não acontece. No teatro, temos uma hora, hora e meia – depende do tempo do espetáculo – para mostrar a personagem e, por isso, temos de condensar toda a personagem durante aquele tempo. É por essa razão que o teatro é visto como a arte do exagero, porque nós tendemos a aumentar as coisas, primeiro porque estamos a uma distância do público que obriga a que falemos alto e que tenhamos gestos muito mais amplos e depois porque temos pouco tempo para mostrar a essência de uma personagem inteira, quando ela não tem só duas ou três falas (como às vezes acontece).
JL – Qual o momento mais embaraçoso que tiveste em palco?
PQ: (risos) Lembro-me sempre de um episódio que me aconteceu. Eu participei num espetáculo, nas Caldas da Rainha, onde éramos para ser 12 atores, mas… não havia dinheiro para todos, então só podíamos ser quatro. Para além disso, era um espectáculo que, para além de só poder ter quatro atores, tinha de ter 30 personagens. Portanto, já estão a imaginar a loucura que aquilo foi. Era um espetáculo infanto-juvenil e cheio de aventura. Eram só personagens a entrar e a sair de cena. Nessa experiência, tive a certeza que, depois de participar naquele espectáculo e caso o conseguisse executar, seria capaz de qualquer coisa. Nós fazíamos mudança de figurino, mudanças de adereços em segundos e não dava sequer para respirar. Conclusão: aconteceu de tudo, mas o espetáculo nunca falhou, mas quase que falhou e falhou no sentido de parar mesmo. Mas nunca aconteceu, graças a Deus! Enquanto os outros faziam as coisas no palco, nós corríamos até aos bastidores para trocar de roupa e depois voltar a entrar. Numa das vezes, eu tinha de tirar um casaco, vestir uma gabardina, amarrar o meu cabelo em cima e fazer uma agente de viagens completamente maluca. Uma vez, num dos dias do espectáculo, numa dessas trocas de vestuário, ao vestir a gabardina meti a mão na casaca, só que ficou-me no forro. E eu não me apercebi. Quando estava em palco, lanço a mão para ir buscar os flyers que tinha de distribuir e apercebo-me que ela está presa no forro. Estava completamente impedida de ir buscar os flyers, como a cena exigia. Tive de improvisar. E depois há o desafio de o colega, que está connosco em cena, se começar a rir, porque também é apanhado de surpresa. Ele começou a contorcer-se todo e eu percebi logo que se ia desmanchar a rir. Por isso, tirei logo os olhos dele, para não me desconcentrar. O que vale é que as cenas eram tão rápidas que nem dava tempo de nos começarmos a rir. Este foi um episódio, de um dos dias. Depois, noutro dia, nessa mesma cena, aconteceu uma coisa pior. Como disse há pouco, eu tinha de baixar a cabeça para amarrar o cabelo bem em cima. Quando entro em cena, ao mesmo tempo que vou começar a falar, entra-me um cabelo para dentro da boca… eu nem consigo explicar a sensação do momento. É que eu comecei a engasgar-me e nem conseguia falar. E, ainda por cima, tinha o público muito próximo. Comecei a fazer um esforço, a tentar tirar o cabelo… Foi horrível. Mas lá consegui tirar. Estes foram os dois episódios mais aflitivos.
JL – Aconselharias alguém a seguir teatro?
PQ: Eu julgo que o teatro não é daquelas coisas que se aconselha, nem que se desaconselha. Eu não aconselho como profissão, como não aconselho nada como profissão. As pessoas têm de escolher aquilo que querem. Há uma coisa que eu verifico… Os jovens, apesar desta nova era informática, em que a informação e a arte estão aparentemente acessíveis – apesar do efeito perverso que isto tem, porque depois as pessoas já nem apreciam nem valorizam as coisas – também temos uma juventude mais sensível para a arte. Quando as pessoas dizem que cada vez há mais jovens a querer ir para teatro e para música, eu não acho que seja só aquele efeito de «quero ser famoso» – também o é, mas não é só –, porque para ser famoso, hoje em dia, basta ir para um reality show, por exemplo. Acho que as pessoas estão sensíveis para a arte, nem que seja como aventura ou experimentação.
JL – E ter vocação é um requisito importante?
PQ: Uma vez na faculdade houve um grande encenador português que se virou para a turma toda e disse assim: «Vocês acham que vão ser todos atores?» e nós estávamos a tirar todos o Curso Superior de Teatro, portanto ouvir aquilo foi um choque. Ninguém respondeu. Mas a verdade é que, dez anos depois, nem todos ficaram no teatro… uns não se aguentaram, outros não tiveram trabalho, outros não tiveram iniciativa… não foi o lugar deles.
JL – É preciso estudar muito para se ser uma boa atriz ou um bom ator ou se a vocação estiver lá é mais fácil?
PQ: Claro que se a vocação estiver lá é mais fácil. Mas isso é assim em tudo. É como no futebol. Nós podemos ter muita vontade de sermos futebolistas, mas se não tivermos o talento… Por outro lado, também podemos ter o talento, mas se não trabalharmos… Mas julgo que isso acontece em todas as profissões. A arte da representação tem a particularidade de não ser uma coisa em que haja muita gente a praticar e, portanto, assim sendo é uma arte que não conhecemos de perto. Toda a gente sabe que para se ser bom cozinheiro são precisos anos, muito trabalho e conhecer alguns segredos. Mas a verdade é que nós conhecemos muitos bons cozinheiros. Toda a gente, em casa, tem uma boa cozinheira, de certeza.
JL – Todos os dias pensas que podes ter oportunidades, ou seja, contas com elas?
PQ: Começamos esta entrevista por falar no Balas e Bolinhos e, por acaso, foi dos poucos castings a que fui na minha vida. Isso quer dizer que eu sempre fui trabalhando porque o meu trabalho foi sendo reconhecido. Fui trabalhando porque indicaram o meu nome e eu fiquei, mesmo sem dar provas e foi sendo sempre assim. E isso é bom. Eu vou-me garantindo assim. Penso para mim: «Olha, eu se calhar até estou no sítio certo!». Já se sabe que, nesta profissão, parte do nosso trabalho é arranjar trabalho, quanto a isso não há hipótese. Por exemplo, eu não consigo garantir que para o ano vou ter trabalho. Só vou garanti-lo se procurar. Por isso é que também tenho que criar – e se calhar há muita gente que não o faz, mas eu sinto essa necessidade. Gosto de inventar e criar sempre coisas novas e diferentes. Eu podia fazer as minhas animações no Carnaval, como toda a gente, mas prefiro algo diferente. Adoro entrar na vida das pessoas e pô-las a rir. Há cerca de um ano e meio, mais ou menos, aconteceu-me uma coisa que veio ali pautar esta vertente das animações de uma maneira que não dá para contornar. Participei num evento de beneficência. Apenas me ofereci para colocar o sistema de som, pôr música e apresentar o espectáculo em voz off – nem sequer estava em destaque – num pavilhão que não tinha condições nenhumas – nem sequer fiz animação nenhuma. No final, veio ter comigo um homem relativamente jovem e que me disse assim: «Olhe, você é a menina do teatro, não é?» e eu disse: «Sou.» e ele continuou: «Olhe, eu venho agradecer-lhe, sabe?!» – e disse isto assim muito sério. E eu lá o questionei porquê e ele disse: «Porque eu vi-a aqui há uns tempos, e eu não andava bem com a minha vida e, depois de a ver, passei uma semana em que só me ria. Passei a semana toda a rir. Por isso eu venho agradecer-lhe. Continue!». O homem não me veio dar os parabéns, não veio pedir autógrafos, não veio nada… veio agradecer-me por ter contribuído para uma semana diferente. Se eu tinha dúvidas se valia a pena estar ali, fazer animações, fazer teatro, deixei de ter. Há pessoas que não consideram isto trabalho, que acham que isto é uma perda de tempo, uma fantasia e que eu sou uma palhaça, mas a verdade é que “isto” tem um efeito muito importante nas pessoas: revitaliza-as… dá felicidade. Nós vamos ao médico para nos tratarmos, mas se ouvirmos uma boa anedota ou se virmos um bom teatro ou se ouvirmos uma boa música podemos encontrar uma terapia. E foi então assim, que eu descobri que o teatro não me faz só bem a mim, como pode fazer bem a quem está à minha volta. Por isso, não dá para viver sem ele.
JL – Qual é o teu sonho?
PQ: Existe um sonho que posso nunca vir a realizar, mas é um sonho. Até acho que não tenho ar de diva, mas a primeira vez que entrei no Teatro São João – que é lindo! –, pensei assim: «Hey, deve ser uma coisa do outro mundo estar ali…!». Gostava de, um dia, fosse ele qual fosse – porque é difícil – de pisar aquele palco. Nós podemos fazer teatro toda a vida e nunca passar por um Teatro Nacional e isso não faz de ti pior ou melhor ator. Às vezes é uma questão de oportunidade. Gostava muito de pisar esse palco. Não digo: «Não nunca me vai acontecer!», mas também não digo convictamente: «Eu sei que vai acontecer!». Mas é um sonho estar num teatro daqueles. Realmente nem é muito difícil, porque hoje em dia as companhias vão sendo até mais rotativas e por isso acaba por haver mais oportunidades. Mas, por exemplo, é curioso que estou a trabalhar agora num projeto que é uma co-produção com o Teatro Nacional, mas não é lá… Esse projeto é um solo… É um texto que vou fazer sozinha e que vai ser apresentado no Mosteiro, que é também uma das extensões do Teatro São João, é um dos sítios onde eles apresentam espetáculos, mas não é o Teatro em si. Mas atenção que não é nada mau. O Mosteiro é um espaço mágico, onde eu vou poder fazer um espetáculo sozinha.
JL – Quando vai ser esse espectáculo?
PQ: Vai estrear dia 8 de Março e está em exibição até 17 de Março.
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