PAULO Duarte, de 37 anos, jovem moleiro do rio Sousa, zela diariamente por um moinho de água com centenas de anos, herdado dos avós, mas tem ideias para dar um cunho empresarial ao negócio, preservando a tradição. “Resolvi agarrar esta oportunidade, continuar com a moagem, mas aperfeiçoando-a”, explicou, garantindo ser o último dos moleiros ativos no rio Sousa.
Por Lusa /APM // SSS
Fotografia de Armindo Mendes
Há alguns anos, Paulo Duarte decidiu apostar em exclusivo na arte que aprendeu desde criança, o que permitiu manter em funcionamento o velho moinho de quatro mós explorado pelos seus ancestrais.
“Quando era pequeno, com o meu avô, vinha aqui aos moinhos, numa mula”, afirmou, lembrando o tempo em que nas margens do rio ainda havia vários engenhos a funcionar.
Ali, em Aguiar de Sousa, no extremo sul de Paredes, longe do rebuliço da indústria do norte do concelho, a paisagem é arrebatadora, com o bosque de verdes viçosos cortados pelo serpentear barulhento de um rio que se precipita numa cascata.
Para lá chegar, é preciso percorrer algumas centenas de metros a pé, passando por vinhedos rodeados por muros de xisto. De repente, o velho moinho de granito, no sopé da cachoeira, acolhendo as águas agitadas do Sousa, só acalmadas pelo chilrear interminável da passarada.
“Os moinhos do Sousa são lindos, mas estão quase todos abandonados, porque isto dá muito trabalho e a rentabilidade é pouca”, reconheceu, apontando para uma mó polida pelos anos.
Contudo, realizados alguns melhoramentos no moinho, mas mantendo as técnicas tradicionais, Paulo Duarte começou a produzir de forma mais organizada e produtiva.
A aposta recaiu nas farinhas de centeio e milho, muito apreciadas para cozer a broa tradicional do norte do país. Cada uma das quatro grandes mós de granito, num ritmo sempre dependente dos caprichos, ora preguiçosos ora sacudidos, do caudal do Sousa, pode moer até cerca de 70 quilos de cereal por dia.
A cada jornada, acompanhado de um irmão e às vezes ajudado pelos pais, o moleiro lidera os múltiplos afazeres necessários para que a moagem e outras tarefas associadas aconteçam com a qualidade exigida pelos clientes.
“Eu faço tudo, a moagem, peneiração e a distribuição. A manutenção do moinho é toda feita por mim. Sou eu que monto, desmonto, afino e desafino”, disse à Lusa, sorrindo.
Paulo Duarte garante que a sua farinha, por ser tradicional, é muito apreciada nas redondezas por padarias e até por particulares.
“O pão feito com esta farinha macia é mais saboroso, porque a moagem é mais lenta”, disse, admitindo ser o único nas redondezas a vender aquele tipo de produto.
Contudo, observou, os métodos tradicionais de moagem são mais dispendiosos do que os industriais.
Alguns clientes que preferem o preço acabaram por fugir, obrigando Paulo Duarte a adaptar-se à realidade. Recentemente apresentou uma candidatura de 270.000 euros para criar, a alguns quilómetros do moinho de água, uma moagem elétrica com um pavilhão, que aumentará a capacidade de armazenamento e produção.
O moinho de água também vai sofrer melhoramentos de higiene e segurança, mas sempre com o cuidado de manter o método tradicional e o que maior prazer proporciona ao jovem moleiro.
“Ser moleiro é uma arte, é disto que eu gosto, apesar de ter caído em desuso”, afirmou, garantindo nunca se ter arrependido da profissão que abraçou há alguns anos.
O moleiro que sonhara em criança ser engenheiro de eletrónica, mas agora com o cabelo esbranquiçado do pairar da farinha que brota do movimento murmurante das mós, exibe o moinho, de dentro e de fora, como que a querer mostrar que se trata de uma peça que respeita a tradição.
“Por vezes passo horas sentado sozinho, à beira do rio, a ver os peixes e os casais de lontras”, concluiu, passando os olhos pela paisagem.
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