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Pinto da Costa: o eterno Presidente

Pinto da Costa: o eterno Presidente

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NUNCA sonhou ser presidente mas já está à frente dos destinos do FC Porto há mais de 30 anos. De postura correta, fala sério a brincar, fazendo uso do sentido de humor que lhe é publicamente reconhecido, e defende “com unhas e dentes” aquilo em que acredita, com a certeza de que, quando assim não for, é hora de se despedir. Jorge Nuno Pinto da Costa, um homem de paixões, é o dirigente desportivo com a carreira mais longa e com mais títulos conquistados a nível mundial. O segredo, esse, passa essencialmente pela sua paixão ao futebol.

Comprou o bilhete e foi para o peão, atrás da baliza. A agitação e o entusiasmo, típicos de um miúdo de oito anos que anseia uma vitória, sentiam-se em doses elevadíssimas. E não era para menos: estava prestes a assistir, na companhia do irmão, ao seu primeiro jogo do Futebol Clube do Porto, com o Braga, no campo da Constituição.

À medida que os adeptos iam entrando, o desconforto ia crescendo e, ao apito inicial do árbitro, a frustração era colossal. “Ora bolas, por mais que salte ou espreite não vou conseguir ver nada além das costas e da cintura das pessoas todas que estão à minha frente!”, pensou o miúdo, naquele dia de 1945.

Ainda assim, com a persistência que ainda hoje lhe é reconhecida, o pequeno Jorge Nuno não desistiu de ver a sua equipa e, na companhia de um tio, conseguiu, desta vez com sucesso, assistir devidamente a um FC Porto- -Sporting, que o conjunto azul e branco venceria por 1-0. Hoje, com 75 anos, recorda plenamente os pormenores da partida e o conjunto que entrou em campo. E quase que é possível jurar que o atual presidente do FC Porto fala, agora, da sua equipa com a mesma emoção que lhe assaltou o rosto naquele primeiro jogo que teve oportunidade de ver.

Os primeiros passos num clube que nunca sonhou dirigir

De rosto sereno e sentado, confortavelmente, no camarote com vista privilegiada para todo o Estádio do Dragão, o 33.º dirigente do clube azul e branco é o que reúne mais títulos no futebol mundial, mas reconhece ser um “cidadão normal, com defeitos e virtudes, dias melhores e piores”. Não é fã de “exuberâncias” nem mesmo de grandes festejos e reconhece nunca ter ambicionado chegar ao cargo de presidente, que, aliás, já exerce há 31 anos.

Natural da cidade do Porto, Pinto da Costa nasceu em Cedofeita a 28 de dezembro de 1937 – “no Dia dos Santos Inocentes, é importante referir!” – sublinhou, com boa disposição. De uma infância “feliz” recorda sobretudo a boa relação vivida com os seus cinco irmãos: é o quarto filho “de uma ninhada de seis”. “Éramos muito amigos, inventávamos brincadeiras e sempre nos de mos muito bem”, confessou, saudoso. A disciplina incutida no Colégio das Caldinhas, onde estudou durante a juventude, é algo que, agora, à distância no tempo, Jorge Nuno assume ter contribuído largamente para o adulto em que se tornou.

“Foi lá que eu ganhei o hábito de cumprimento de horas e o rigor, portanto, embora na altura não gostasse, hoje reconheço que a passagem por aquele colégio foi importante para adquirir hábitos de trabalho”, referiu. Ao contrário de um dos seus irmãos que, logo desde criança, viria a revelar uma predileção pelos assuntos da medicina – sendo hoje um conhecido médico legista e professor catedrático jubilado do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto – em termos profissionais, Pinto da Costa nunca sonhou “ser isto ou aquilo”. “Ia vivendo o dia a dia sem a preocupação de estar a pensar o que iria ser, embora tenha feito o sétimo ano [atual 12.º] na opção de direito”, contou. No entanto, como a possibilidade de se mudar para Coimbra – para estudar «leis» – não o seduzia, tendo em conta que, nessa altura, já trabalhava na secção de hóquei em patins do FC Porto, permanecer na Invicta pareceu-lhe o caminho mais natural a seguir.

Entretanto, quase que por brincadeira, acabou por ir trabalhar para o Banco Português do Atlântico, onde foi colega de Artur Santos Silva. “Depois dos exames, respondi a um anúncio, juntamente com dois amigos, que pedia jovens para o Banco. Estávamos no café Aviz, que era frequentado pelos alunos do Almeida Garrett, onde eu andava, vimos aquilo e decidimos inscrever-nos. Na semana a seguir recebemos os três um postal para ir prestar provas ao Palácio Atlântico”, contou, revelando ter sido admitido.

Esta experiência profissional, que durou sete anos, foi conciliada com a ligação ao clube. Em 1980, Pinto da Costa decidiu afastar-se do FC Porto. “Tinha outros projetos, havia coisas que não me agradavam e nunca me passou pela cabeça voltar… muito menos como presidente”, confessou.

Um golo marcado no último minuto… pela mãe!

Entretanto, perante as dificuldades enfrentadas pelos “dragões” nos dois anos seguintes, surgiu um movimento de sócios que incitou Jorge Nuno a participar. “Um dos principais mentores foi Armando Pimentel, meu dirigente e vereador da câmara do Porto. Álvaro Pinto e Neca Couto também me procuravam muito. E um dia, depois de um jogo que tinha corrido muito mal, marcaram uma reunião para vermos as soluções e a posição do clube. Eu fui a esse encontro e acedi a entrar no movimento, mas como responsável pelo futebol, nunca como presidente”, explicou. O grupo de apoio foi aumentando como uma espécie de “febre” – “quando demos conta havia tanto entusiasmo que chegamos a ir ao Marco de Canaveses, Vila da Feira, aos Passarinhos da Ribeira, no Porto, e a vários sítios onde o apoio era fantástico”.

Convicto de que Neca Couto, um próspero industrial de papel, seria o candidato à presidência, Pinto da Costa participou até na elaboração do programa da lista, mas, na altura da definição dos cargos, o industrial viria a confrontá-lo com a realidade. “Ainda não percebeu que o único candidato que nós queremos é o senhor?”, questionou-o. “E eu disse para não contarem comigo porque o meu compromisso era para diretor de futebol e não para presidente. Só que aquilo caiu como uma bomba e nós já tínhamos o apoio de imensa gente”, salientou o dirigente.

Sem saber ao certo qual a decisão a tomar, Pinto da Costa viria a encontrar a resposta numa visita à sua mãe, que morava em Cedofeita. Apesar de não ser habitual falar com o filho sobre futebol, Maria Elisa Bessa de Lima Amorim Pinto perguntou-lhe, entusiasmada, se sempre ia para o FC Porto, depois de ter lido as últimas notícias no “O Comércio do Porto”. Incrédulo com o forte incentivo da mãe, confessou que não sabia ao certo o que fazer, pedindo-lhe opinião. “Se precisam de ti e se é do Porto que tu gostas, acho que deves ir”, aconselhou-o. A partir daí, ficou decidido: Jorge Nuno Pinto da Costa iria avançar com a candidatura à presidência do clube. O diálogo com a mãe acabou, assim, por marcar um momento de viragem na vida do portuense, sendo um dos episódios recordados no livro “31 anos de presidência, 31 decisões”, que deverá ser lançado ainda este ano.

O mundo de olhos postos no FC Porto

O primeiro campeonato festejado por Pinto da Costa ao comando dos azuis e brancos foi em 1955-56, com o treinador Yustrich. “Foi um sofrimento porque tínhamos de vencer o último jogo, com a Académica, e, a 20 minutos do fim, estava 0-0. Nessa altura houve um penálti e os jogadores estavam todos a ver quem marcava”, contou, revelando que, no momento em que viu a convicção de Hernâni a pegar na bola, teve a certeza de que “era impossível ele falhar”. Marcou “e foi uma festa tremenda”. “O FC Porto já não ganhava um campeonato há 19 anos e, por isso, a celebração foi fantástica no estádio das Antas”, afirmou.

E é com o mesmo orgulho e com todas as recordações bem gravadas no coração que o portuense relembra aquele que terá sido o título “mais importante” conquistado pelos “dragões” – o de 1987, em Viena, na Áustria, quando o clube se sagrou, pela primeira vez, Campeão Europeu. A vitória foi encarada de forma especial porque representava o cumprimento de um dos objetivos do programa elaborado em 1982: “estar numa final europeia”. Assim, depois de, em 1984, ter sido derrotado, numa final, com a Juventus, numa exibição que deixou o mundo do futebol de olhos postos no FC Porto, em Viena, a equipa conseguiu, realmente, assegurar o troféu. “Num estádio quase todo vermelho – temos uma predileção por ganhar em estádios vermelhos – vencer o Bayern de Munique, um colosso europeu, com uma exibição memorável, foi, talvez, o momento mais importante no lançamento do clube”, realçou, acrescentando que, ainda hoje, “não há quem não fale do calcanhar do Madjer e das jogadas do Futre”. Aliás, o dirigente considera mesmo que Madjer foi talvez o jogador “mais completo” que passou pelo clube azul e branco já que “não lhe faltava nada: chutava da mesma forma com o pé direito e o esquerdo, driblava como ninguém, de cabeça era fortíssimo e era um exímio marcador de livres com qualquer um dos pés”.

À medida que os anos foram passando, entre conquistas e novos desafios, Pinto da Costa foi renovando os sonhos ligados ao clube. Embora o Estádio das Antas tivesse sido modernizado, o dirigente começou a achar que o equipamento “já não estava ao nível dos feitos desportivos do clube e sonhou, em silêncio, com um novo estádio. “Achava que todos iam dizer que eu estava maluco, por isso, fui falando com este, convencendo aquele e, um dia, reunimos a equipa e decidimos ir com o projeto para a frente. Na inauguração do Estádio do Dragão senti uma alegria enorme de ter tomado esta decisão”, confessou.

Segredo do sucesso: a paixão pelo futebol

Depois de mais de três décadas na liderança dos dragões, Pinto da Costa reconhece que a modalidade “só vai melhorar” quando à frente das diferentes entidades, tanto na federação, como nos clubes, “estiverem pessoas que gostem de futebol”. “Vamos à Liga, olhamos para aquela mesa e só vemos advogados. Eu até penso ‘será que estou no tribunal?´. São pessoas que não têm conhecimentos de futebol e que nunca o viveram. Um presidente da liga ou da federação tem de ter uma vida no futebol para conhecer os problemas reais. Até podem ser os maiores banqueiros, os maiores industriais, terem uma enorme fortuna, mas o universo futebolístico não vai ganhar nada com a presença deles”, defendeu, realçando que o seu maior desejo é ver a modalidade repleta de “gente que realmente gosta de futebol”. “Acho que isso é uma das explicações para o sucesso do FC Porto: em cada setor, tanto a nível diretivo como profissional, há pessoas competentes, responsáveis, mas que vêm trabalhar satisfeitas”, sustentou.

O mesmo segredo é válido no momento da compra de jogadores. “Temos de ter gente responsável em todos os setores. Temos os olheiros e os informadores para saber onde estão os melhores jogadores”, contou, ressalvando que, este ano, houve um grande cuidado na escolha de atletas portugueses, com as entradas de Licá, Josué e Ricardo. “Não gostaria nunca de ouvir ou de ler, como li há dias, um jogador de outro clube a dizer que no balneário se fala mais sérvio do que português. Isso, para mim, seria um desgosto”, referiu. Além disso, acrescentou, o clube teve a “vantagem” acrescida de mostrar Licá ao selecionador, que nunca o havia convocado enquanto jogava no Estoril.

E é exatamente por estar ciente das qualidades técnicas dos profissionais do clube que Jorge Nuno está seguro de que, quando deixar a presidência, o FCP “vai continuar de certeza absoluta a seguir o mesmo caminho de vitórias, de sucesso e de tranquilidade”. “Quando vejo tanta gente preocupada com a sucessão penso: das duas uma, ou eu estou doente e não sei ou então é uma forma de tentar destabilizar”, notou, assegurando, contudo, que, quando chegar o momento da sua saída, o conjunto azul e branco continuará “ao mesmo nível”.

Dia a dia vivido entre as necessidades do clube e o carinho dos animais

Ainda que a liderança do FCP lhe ocupe quase a totalidade do tempo livre, o dirigente não prescinde da sua caminhada diária, recomendada por questões de saúde. Ainda assim, evita concretizá-la percorrendo o Porto, dadas as interrupções que se via obrigado a fazer para responder aos ímpetos dos adeptos. Mas há locais e símbolos da cidade de que não prescinde. “Gosto muito da Torre dos Clérigos, da Ribeira e do Parque da Cidade, que é um sítio encantador”, afirmou. Pelo contrário, a Avenida dos Aliados é um local que lhe causa arrepios. “Era muito bonita e foi transformada numa praça de leste. Dá-me ideia de que estou na União Soviética ou nos tempos da Alemanha Oriental”, lamentou, confessando ser aquele o único sítio de que realmente não gosta.

Mas mais do que da cidade, Jorge Nuno assume-se um fã acérrimo dos portugueses e dos portuenses. “Aliás, sempre que vejo portugueses com capacidade para poderem vir para o FC Porto, estes são sempre a minha preferência. E tenho muita satisfação que quatro dos títulos europeus que vencemos, para além dos outros intercontinentais, tenham sido com treinadores portugueses: o Mourinho e dois naturais doPorto: Artur Jorge e André Villas-Boas. Dá-me um gosto particular”, reconheceu. De resto, para o dirigente, há algumas “qualidades típicas das gentes do Porto”: são pessoas “abertas, fraternas e leais”. “Quando gostam, gostam; quando não gostam, não gostam. Não há fingimentos nem hipocrisias”, acrescentou, assumindo nutrir uma admiração especial pelo ex-autarca da cidade Fernando Gomes. “De resto, admiro todos os portuenses que, no dia a dia, fazem desta cidade uma terra de trabalho, onde me dá muito gosto viver”, salientou.

Quando a agenda lhe permite, Pinto da Costa não troca os momentos passados na companhia dos seus três cães, de raça cocker. O “patriarca da família”, de 13 anos, chama-se “Dragão”. O do meio, de sete anos, é o Lucho, por ter nascido num dia em que o FCP venceu um jogo por 1-0, em Barcelos, com um golo do craque argentino. A mais nova, de dois anos, é a Pitrizza – nome de um hotel em Itália onde o presidente do clube passou férias e onde convenceu a esposa a ter uma cadela na “coleção”. Para o responsável, a liberdade dada aos animais é uma das condições fundamentais à sua felicidade, salientando que se considera mais um “deseducador” do que um educador dos amigos de quatro patas. “A maior parte das pessoas diz: ‘o meu cão é fantástico, eu vou para ali e ele vem atrás de mim’. Quer dizer, as pessoas gostam é que os animais gostem delas, não gostam dos animais. De modo que eu, naturalmente com algumas limitações, estando em casa, deixo-os andar à vontade. Se estiver a ver um jogo na televisão, eles estão sentados ao meu lado no sofá. Os animais têm de ser felizes”, defendeu.

Museu do FCP: um espaço “que vai engrandecer o clube e a cidade”

A propósito do novo museu construído pelo clube, Pinto da Costa tem apenas uma certeza: a de que vai ser uma obra “fundamental não só para os ‘dragões’ mas também para a cidade”. “Vai haver imensos portugueses a visitarem o nosso museu, e sem dúvida que os estrangeiros que passem pelo Porto também o vão querer conhecer”, sublinhou, acrescentando que foi firmado um protocolo com a Douro Azul para incluir nos seus programas e roteiros a visita ao novo equipamento.

De resto, com os olhos postos no futuro, o dirigente deixa uma garantia. “Já pensei muitas vezes que não havia mais nada a fazer: quando inaugurámos o estádio e fomos campeões em Gelsenkirchen. Depois disso já ganhámos diversos títulos, fizemos o Dragão Caixa e o museu. A única coisa que posso dizer, partindo do princípio de que sonhar é fácil, é que este é o meu último sonho concretizado, mas não é o meu último sonho”, finalizou o eterno presidente.

Publicado in Viva Porto com ilustração de Maria Mónica

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