«ENTREI no seminário para ser padre diocesano, mas quando terminei a filosofia e estava no primeiro ano de teologia, disse para mim: quero ser padre, mas quero ser padre de outro jeito. Quero ir a todas as pessoas que não conhecem ainda Jesus Cristo. Então conheci o Instituto Missionário da Consolata (IMC) e vi que era esse o meu caminho. Através desta família podia realizar a minha vocação missionária», conta o sacerdote, de 69 anos.
O bispo da diocese ainda tentou demovê-lo, sem sucesso. «Pediu-me para terminar a teologia e esperar, que ele depois abria uma missão na Colômbia para o clero diocesano. Fez-me pensar, mas vi que Deus me chamava por este caminho». Tomada a decisão, aos 21 anos entrou para o IMC. Quatro anos depois foi ordenado sacerdote. Permaneceu quase duas décadas na Europa, até que, em 1993, foi enviado para a diocese do Senhor do Bonfim, estado da Bahia, no Nordeste do Brasil.
Aí, encontrou o verdadeiro sentido da missão. A seca era uma constante, os terrenos de cultivo não produziam e os problemas de desnutrição, sobretudo nas crianças, aumentavam de dia para dia. O ponto de água mais próximo ficava a 20 quilómetros. E a pouca chuva que caía, de tempos a tempos, era encarada como «a divina misericórdia». A juntar a todas estas dificuldades, o missionário espanhol encontrou também um ambiente de grande conflito social, por causa da posse da terra.
«Os camponeses tinham terra, mas a pouca que tinham era comprada abusivamente pelos fazendeiros e terratenentes. Aos poucos, eles iam-se apoderando da terra do pobre, enganando. O facto de nos colocarmos do lado dos sem terra, defendendo os seus direitos, criou alguns problemas» entre a Igreja e os grandes proprietários, refere Ramon Cazallas, recordando que foi alvo de notificações judiciais, de pelo menos um atentado à vida, e de várias ameaças, umas diretas, outras veladas.
As intimações não o fizeram recuar. Pelo contrário. Deram-lhe mais força para ajudar a construir «um centro para crianças desnutridas e para meninas, que com 12 e 13 anos, na época de fome, eram enviadas para a cidade pelos pais, a mais de 100 quilómetros, para se prostituírem». A área da educação foi outra das batalhas em que apostou forte, juntamente com a equipa com quem trabalhava.
Ciente do muito que ficou por fazer, o padre espanhol mantém-se em contacto com os amigos que conquistou além mar, agora a partir da casa de Águas Santas, na Maia. Solução para os problemas que ainda se vivem no Nordeste brasileiro não tem. Mas arrisca uma sugestão: «Talvez através de projetos. Mostrando que existe um povo que está pior e que outro mundo é possível se todos entrarmos na solidariedade e formos justos».
Por Francisco Pedro e Foto Ana Paula publicado in http://www.fatimamissionaria.pt/